Afinal, eu não conhecia aquela pessoa
“E foi aí que conclui que, afinal, eu não conhecia aquela pessoa”. Sendo que aquela pessoa era o seu marido. Há cinco, dez ou vinte anos. E, entretanto, acabaram por se separar. De forma surpreendente; para um deles. Talvez porque nunca discutissem. Logo, por isso mesmo, estaria tudo bem.
Concluir que, afinal, não se conhecia aquela pessoa, serve para atribuir uma espécie de transfiguração trazida pela separação. Como se tudo o que se sabia sobre ela tivesse ficado comprometido. Trazendo consigo a dúvida sobre qual das duas versões dessa pessoa que se conhecia muito bem será a verdadeira: aquela que vigorou até à separação; ou a outra, que despontou, logo a seguir.
Habitualmente, quem se surpreende porque não conhecia “aquela pessoa” desbobina todas as coisas horríveis em que ela se tornou. Por mais que, logo a seguir, como se fosse uma guerrilha, encontre nisso o álibi para que o seu ódio se afie e se solte. Ficando no ar a dúvida sobre a que pessoa que não conhecia se estaria a referir quando, entre o asco e o desdém, falava “d’aquela pessoa”: se daquela de quem se divorciou; se de si própria. Sempre que tudo o que a inquina se entrincheirou e, de tão tamanho, precisa (por isso mesmo) que vá assassinando a pessoa de quem se separou para que o seu ódio não a mate a si.
Ou,........
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