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Quando o medo veste a pele da razão

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11.11.2025

A história humana tem sido, em larga medida, a história do medo. Medo do que não se compreende. Medo do que desafia os limites da razão. Medo do que ameaça o status quo, esse instinto coletivo de preservação do conhecido, que se disfarça de prudência, mas raramente é mais do que ignorância institucionalizada. Da Inquisição medieval à atual cruzada contra a inteligência artificial, o padrão repete-se: quando a mente humana pressente que o desconhecido pode tornar-se mais poderoso do que o conhecido, reage como outrora, acendendo fogueiras.

O medo é, talvez, o mais antigo software biológico da espécie humana. Nasceu como instinto de sobrevivência, evoluiu como ferramenta de controlo. Hoje, é um código moral invisível que orienta decisões políticas, económicas e até científicas. Não falo do medo útil, o que nos impede de saltar do precipício, mas do medo condicionado, cultural, o medo que se ensina e se herda. O medo que se disfarça de ética e que, em nome da prudência, fecha as portas do pensamento.

A história prova que o medo e a ignorância caminham de mãos dadas. Quando a consciência coletiva se torna incapaz de acompanhar a velocidade da ciência, os seus guardiões erguem muralhas e decretam interditos. Assim se protegeu o geocentrismo de Ptolomeu, assim se desacreditou Copérnico, assim se ridicularizou Einstein. E, ainda hoje, é assim que se desacredita a IA, a engenharia genética, a DLT e qualquer tecnologia que ameace a velha ordem de compreensão do mundo.

Vivemos num tempo paradoxal: nunca tivemos tanto conhecimento, e talvez por isso nunca tenhamos estado tão cegos à ignorância que o sustenta. A ciência moderna, nascida da coragem de duvidar, começa a perder a coragem de se duvidar a si própria. Transformou-se num novo clero, revestido de fórmulas, peer reviews e métricas de impacto que, como qualquer igreja, teme a heresia.

Mas todo o progresso científico nasce do mesmo gesto de desobediência: recusar o consenso. Copérnico desobedeceu à astronomia aristotélica; Einstein desobedeceu à física newtoniana; hoje, talvez nos falte a coragem de desobedecer........

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