A liberdade ainda não se está a passar por aqui
Cresci numa casa onde sempre se bendisse o 25 de Abril. A coragem dos que o fizeram, o regime democrático que daí nasceu, a liberdade, a beleza literária do dia, as canções que serviram de senha, os cravos metidos nas espingardas que (quase) não dispararam, Salgueiro Maia, os capitães, o povo nas ruas. Uma casa, enfim, onde sempre se ouviu Zeca Afonso, mas também, pontualmente e sem contradição, que “também nem tudo era mau antes do 25 de Abril”. Cresci a achar esta ideia razoável, equilibrada, sensata, “normal” – até ser um jovem a estudar longe de casa e descobrir que, afinal, quem se atrevesse a achar que, alguma vez, tivesse havido alguma coisa boa de Vilar Formoso para cá anterior a esse “dia inicial inteiro e limpo”, era fascista. Fim de discussão.
Mais anos passaram e aprendi mais sobre o 25 de Abril e o que veio depois, a admirar muita gente e muitos nomes que o tinham feito e de que não tinha ouvido falar em casa, mas também a gostar menos, cada vez menos, de simplismos maniqueístas. O tempo trouxe-nos ao dia de hoje, aos 50 anos dessa madrugada que Sophia e tantos mais tanto esperavam (até nós, os que ainda não tinham nascido), e tenho poucas dúvidas de que os que chamaram fascistas aos que apenas diziam “também nem tudo era mau antes”, contribuíram muito para fazer dos moderados cada vez mais revoltados e cada vez menos moderados. Quanto mais nos afastávamos da data, mais ela parecia ter donos, os únicos autorizados a falar dele, os únicos........
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