Há precisamente um mês, escrevi aqui um artigo com o título Luís Montenegro 1 - Pedro Nuno Santos 0 (ao intervalo). No rescaldo do debate que opôs o incumbente e o desafiante, e que a generalidade dos comentadores considerou ter sido vencido por Pedro Nuno Santos, fiquei com a impressão contrária: de que tinha sido Luís Montenegro o “vencedor”.

Perdoem-me a auto-citação, mas perceberão a pertinência. Dizia, então, que “se os critérios forem ponderação, sentido de responsabilidade e razão nas propostas para a resolução dos problemas, não vejo como é que um homem que foi governante, em pastas vitais para a governação do país, durante 7 dos últimos 8 anos, e que não só não repudia essa herança como a confirma, nem apresenta programa diferente, pode ter ganho o debate”. Já cá volto.

Depois disso, no dia 10, Luís Montenegro ganhou mesmo as eleições: Luís Montenegro 2 - Oposição 0. Ganhou as eleições ao incumbente PS, como há quase uma década o PPD não conseguia; a coligação que liderou teve mais votos e teve mais deputados do que os outros; e ganhou as eleições apesar do quase milhão e meio de votos à sua direita. Eu conheço as adversativas das Cassandras e as suas profecias: o resultado, em número e em percentagem de votos, não foi melhor do que o de Rio e ficou aquém do resultado de Pedro Passos Coelho em 2015; e, se não se coligar com o Chega agora, Montenegro cairá sem glória, abrindo espaço a um crescimento imparável do Chega. Gosto muito de profetisas e pitonisas nos clássicos, mas, lamento, em matéria de acção política prefiro a realidade. E, em matéria de realidade, correndo o risco de me repetir, Montenegro i) ganhou as eleições ao incumbente, ii) ganhou-as sem abdicar dos seus princípios, e apesar de milhão e meio de votos à sua direita, iii) não tem ainda uma convergência de oposições concertada para o derrubar, e iv) vai apresentar Governo e governar. Não será coisa fácil, mas não é coisa pouca.

Não será fácil, porque parece que “a política mudou”; não se ouve outra coisa por aí. A ascenção dos nacional-populismos, um pouco por toda a parte, assim parece sugerir. Steve Bannon, aqui há uns anos, num Munk Debate com David Frum esclarecia: a arena política já não é ocupada por um debate entre moderados (liberais) e radicais (iliberais), mas antes por um combate entre nacional-populistas e marxistas-populistas.

Não a despropósito, David Frum, velha raposa republicana, ex-assessor de George W. Bush, e conhecido never trumper, escreveu na última The Atlantic um artigo arriscado, mas interessante: “The Ego Has Crash-Landed”. Segundo Frum, “seguir as notícias sobre política norte-americana é estar mergulhado em Trump o tempo todo. E é por isso que Trump perderá as eleições.” Dando o exemplo de Reagan vs Carter, mas também de Carter vs Ford, Clinton vs George W. Bush e Biden vs Trump (2020), numa interpretação clássica da compita política, Frum afirma que “o desafiante deve subordinar-se a uma história maior, e apresentar-se ele próprio como uma alternativa aceitável e segura a um estado de coisas inaceitável.” Conclui recordando o conselho recebido anos atrás dado por um veterano destas coisas: “só há dois assuntos quando se debate com um incumbente: o seu desempenho e assegurar que ele, o desafiante, não é um louco varrido.”

Não me interessam, agora, as eleições norte-americanas, mas há uma nota relevante, de permeio, a fazer desta leitura: se a “tese” de Frum se provar certa, talvez a política não tenha mudado irreversivelmente; já se estiver enganado, os conselheiros políticos vão ter que reavaliar seriamente não só os meios, mas o objecto da própria política. Uma resposta final, nesta altura, talvez seja imprudentemente precipitada. Lá e cá.

Volto a Montenegro. Quando venceu o debate a Pedro Nuno Santos, que nunca se distanciou de Costa, Montenegro cumpriu à risca a “tese” de Frum: exibiu o degradado “estado das coisas” como legado do incumbente (lembram-se da pergunta sobre quantos hospitais tinham sido construídos pelo PS nos últimos 8 anos, acompanhados dos dedos indicador e polegar em forma de zero?) e mostrou-se suficientemente sereno, para que ninguém ali visse um “louco” irresponsável.

Vencido o debate (Luís Montenegro 1 - Pedro Nuno Santos 0) e vencidas as eleições (Luís Montenegro 2 - Oposição 0), é agora tempo de apresentar o Governo e governar. Montenegro tem, por estes dias, conseguido manter sigilo sobre a composição do Governo e, intrépido, segue o seu caminho, parece, com o propósito de governar com os olhos postos nos problemas mais imediatos dos portugueses (saúde e educação), na sua maior e cada vez menos calada preocupação (segurança) e nos seus maiores anseios (rendimentos e futuro). Os desafios, depois de décadas de fenecimento socialista, não se esgotam aqui, mas, para já: Luís Montenegro 3 - Oposição 0.

Termino lembrando uma velha anedota de políticos que conta que um político em fim de linha escreveu 3 cartas ao seu sucessor, para que este as abrisse, uma de cada vez, sempre que se visse em sarilhos. A primeira carta dizia: "culpe o seu antecessor." A segunda carta dizia: "culpe a oposição." A terceira carta dizia: "escreva três cartas.” Talvez, aqueles que antecipam a morte de Montenegro, estejam precipitadamente a saltar as duas primeiras cartas. Repito: não será coisa fácil, mas não é coisa pouca.

Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia

QOSHE - Luís Montenegro 3 - Oposição 0 - Pedro Gomes Sanches
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Luís Montenegro 3 - Oposição 0

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25.03.2024

Há precisamente um mês, escrevi aqui um artigo com o título Luís Montenegro 1 - Pedro Nuno Santos 0 (ao intervalo). No rescaldo do debate que opôs o incumbente e o desafiante, e que a generalidade dos comentadores considerou ter sido vencido por Pedro Nuno Santos, fiquei com a impressão contrária: de que tinha sido Luís Montenegro o “vencedor”.

Perdoem-me a auto-citação, mas perceberão a pertinência. Dizia, então, que “se os critérios forem ponderação, sentido de responsabilidade e razão nas propostas para a resolução dos problemas, não vejo como é que um homem que foi governante, em pastas vitais para a governação do país, durante 7 dos últimos 8 anos, e que não só não repudia essa herança como a confirma, nem apresenta programa diferente, pode ter ganho o debate”. Já cá volto.

Depois disso, no dia 10, Luís Montenegro ganhou mesmo as eleições: Luís Montenegro 2 - Oposição 0. Ganhou as eleições ao incumbente PS, como há quase uma década o PPD não conseguia; a coligação que liderou teve mais votos e teve mais deputados do que os outros; e ganhou as eleições apesar do quase milhão e meio de votos à sua direita. Eu conheço as adversativas das Cassandras e as suas profecias: o resultado, em número e em percentagem de votos, não foi melhor do que o de Rio e ficou aquém do resultado de Pedro Passos Coelho em 2015; e, se não se........

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