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Uma  mulher solteira não é um problema por resolver

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21.10.2024

Uma vez, a minha tia-avó, que sempre me tratou por “miga”, perguntou-me:

— Miga, quando é que me apresentas um homem?

Eu, que não queria falar sobre a minha vida amorosa com ela, respondi-lhe em modo de piada leve:

— Ó, Tia, eu não procuro, eu escolho.

— Olha que eu muito escolhi e depois escolhi mal.

A minha tia-avó, já falecida, era viúva de um homem que não a deixava usar em público camisolas acima do cotovelo. A mãe dela, minha bisavó, era vítima de violência doméstica do meu bisavô, que lhe batia e batia nos três filhos quando eles se punham entre ele e a mãe, para tentar proteger a minha bisavó. Uma irmã dessa mesma bisavó, cujo campo fazia fronteira com o campo da minha bisavó, fugia para a casa da irmã quando o marido lhe queria bater. Quando a irmã da minha bisavó se queixou à sogra, em segredo, e lhe mostrou os hematomas resultantes da violência, a mãe do marido dela mostrou-lhes os dela: “o pai dele faz-me igual”. Naquele tempo, tudo isto era normalizado, a porrada fazia parte da cruz do casamento. A aceitação da violência passa de geração para geração, pela observação, pela aprendizagem de que “o amor/casamento vai incluir este tipo de comportamento, porque esta é a definição de amor/casamento que eu conheço”.

A grande diferença é que, no tempo da minha bisavó e da juventude da minha avó, a única solução socialmente disponível e tida como digna para uma mulher ter independência dos pais e estabilidade financeira era o casamento. Hoje em dia, felizmente, isto já não acontece. Mesmo assim, muitas mulheres, e homens também, dão por si em relações abusivas. Engana-se quem acha que é fácil sair (embora possível e urgente). E não há sensação maior de solidão do que estar numa relação destrutiva. Quem nela está, não está solteira, mas sente-se tremendamente sozinha. Logo, estar solteira não é sinónimo automático de solidão, pode até significar libertação.

Hoje, a sociedade já condena a violência física e psicológica mais facilmente, mas a mentalidade ainda existe, a de ceder, a de “aguentar pela família”, ou porque “já estão juntos há muito tempo”; e também existe preconceito do lado contrário, de quem não percebe como é que alguém se deixa viver numa situação deste género.

Tendo em conta a mentalidade da mulher que só está completa com um homem — que, para além de retrógrada, tem uma narrativa sempre heteronormativa — há uma pressão especial posta em mulheres para encontrarem o seu par, a sua cara metade, como se fossemos puzzles com defeito ou uma histórias inacabadas. Somos pessoas inteiras.

Antes solteira do que com um marido que me controla as finanças.

Antes solteira do que com um namorado que não me deixa usar vestidos curtos.

Antes solteira do que com um noivo que não me autoriza sair só com as minhas amigas.

Antes........

© Expresso


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