Ao discursar no encerramento do Congresso do PS, Pedro Nuno Santos descobriu coisas que pelos vistos não saberia, como a falta de saúde oral no SNS ou a inadequação dos apoios às atividades económicas, e fez promessas para o futuro como se o PS não estivesse no Governo no presente. Sem deixar de enaltecer os feitos da governação do PS – mau seria que o não fizesse – Pedro Nuno Santos discursou como se não tivesse sido membro do Governo desde 2015 até há poucos meses, e que só se demitiu depois de ter admitido que concordou com a indemnização milionária paga pela TAP a uma antiga administradora logo nomeada para Secretária de Estado.

Quando se refere a medidas positivas tomadas pelo Governo PS depois de 2015, Pedro Nuno Santos terá razão no que se refere ao período em que o PS não dispunha de maioria absoluta e em que, dada a necessidade de aceitar propostas que não eram suas, aprovou medidas de reposição de direitos e rendimentos que os portugueses haviam perdido entre 2008 e 2015, ainda com a maioria absoluta liderada por José Sócrates e sobretudo entre 2011 e 2015 com o Governo PSD/CDS. Fica depois por explicar o que fez o PS com a maioria absoluta que lhe foi dada em 2022.

Quando Pedro Nuno Santos admite que os professores estão profundamente desmotivados e têm razões para isso, admite que o Serviço Nacional de Saúde passa por enormes dificuldades para reter profissionais, ou admite que Portugal continua a ser um país de baixos salários e que é preciso corrigir essa situação (apesar da manifesta insuficiência do seu objetivo de aumento do salário mínimo até 2028) é caso para perguntar o que fez o Governo PS com a maioria absoluta que festejou há dois anos.

Se após seis anos de governação em minoria o PS obteve uma maioria absoluta que lhe permitiu governar “sem empecilhos” na legislatura que agora termina, como explica Pedro Nuno Santos que o SNS esteja como está, que tenha sido recusada aos professores qualquer perspetiva de reposição do tempo de serviço ainda que faseada, que o acesso à habitação se tenha agravado de uma forma calamitosa ou que a economia portuguesa continue a basear-se em salários baixos?

Será que o PS, com a maioria absoluta que lhe foi dada, não tem nenhuma responsabilidade neste estado de coisas? E que garantias teriam os portugueses de que, se o PS obtivesse a maioria “robusta” que agora pede, porque não lhe chega a língua para pedir outra maioria absoluta, a governação seria diferente da que tem sido nos últimos anos? Obviamente, nenhuma.

Entretanto, poucas horas depois, o PSD, o que ainda existe do CDS e o pouco que ainda resta do PPM, formalizaram um acordo de coligação pré-eleitoral que numa espécie de romagem de saudade retoma o nome da coligação criada em 1979 e desfeita em 1983, sendo certo que, havendo entre os fundadores de então e os protagonistas de hoje uma coincidência de siglas, as circunstâncias políticas em que ambas surgiram, designadamente quanto à arrumação de forças à direita, são significativamente diferentes.

Para além de que, para quem tem idade para se lembrar, a coligação AD de 1979 a 1983 não é propriamente de boa memória, o que pretendem os novos protagonistas é fazer um apelo romanceado a um passado distante para fazer esquecer o que fizeram num passado mais recente.

Senão, vejamos o conteúdo da intervenção do líder da coligação Luís Montenegro. Quem o ouvisse falar e não soubesse nada da vida, poderia ficar a pensar que o PSD e o CDS são grandes defensores do Serviço Nacional de Saúde, da valorização das carreiras dos professores ou de aumentos significativos de salários e pensões e que nunca estiveram no Governo para pôr em prática as suas miraculosas propostas.

Sucede que quando governaram o país entre 2011 e 2015, sendo o atual líder do PSD o líder parlamentar do mesmo Partido, uma coligação pós-eleitoral entre o PSD e o CDS conduziu o país a um retrocesso social sem precedentes em democracia, com cortes de salários e de pensões, eliminação de feriados, aumento das jornadas de trabalho, facilitação e embaratecimento dos despedimentos, aumento brutal de impostos, e tudo servido com apelos à emigração de jovens e de professores, ou com pérolas parlamentares como a proclamação de Luís Montenegro de que os portugueses estavam pior, mas o país estava melhor.

Só quem não sentiu as dificuldades impostas pelo Governo PSD/CDS entre 2011 e 2015 pode pensar que os problemas graves com que os jovens, os trabalhadores ou os reformados se confrontam, designadamente quanto à garantia de direitos sociais fundamentais, terão solução com o regresso da direita ao Governo.

O que o país precisa não é da continuidade da maioria absoluta do PS nem do regresso da direita ao poder. A direita não é alternativa a políticas de direita e maiorias absolutas nunca deram mais saúde à democracia.

QOSHE - Apagar o presente e esquecer o passado - António Filipe
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Apagar o presente e esquecer o passado

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08.01.2024

Ao discursar no encerramento do Congresso do PS, Pedro Nuno Santos descobriu coisas que pelos vistos não saberia, como a falta de saúde oral no SNS ou a inadequação dos apoios às atividades económicas, e fez promessas para o futuro como se o PS não estivesse no Governo no presente. Sem deixar de enaltecer os feitos da governação do PS – mau seria que o não fizesse – Pedro Nuno Santos discursou como se não tivesse sido membro do Governo desde 2015 até há poucos meses, e que só se demitiu depois de ter admitido que concordou com a indemnização milionária paga pela TAP a uma antiga administradora logo nomeada para Secretária de Estado.

Quando se refere a medidas positivas tomadas pelo Governo PS depois de 2015, Pedro Nuno Santos terá razão no que se refere ao período em que o PS não dispunha de maioria absoluta e em que, dada a necessidade de aceitar propostas que não eram suas, aprovou medidas de reposição de direitos e rendimentos que os portugueses haviam perdido entre 2008 e 2015, ainda com a maioria absoluta liderada por José Sócrates e sobretudo entre 2011 e 2015 com o Governo PSD/CDS. Fica depois por explicar o que fez o PS com a maioria absoluta que lhe foi dada em 2022.

Quando Pedro........

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