Jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG) em 1997. Curioso por natureza, adora buscar histórias. Desde 2005, trabalha no Correio Braziliense, onde entrevistou laureados com o Nobel da Paz, embaixadores e ex-presidentes.

Em primeiro lugar, criam um factoide. Disseminam na base eleitoral o medo infundado do comunismo ou do imperialismo. Depois, cooptam os militares, oferecem postos do governo, despejam regalias e "compram" uma fidelidade quase canina. Então, se municiam de muitas fake news, uma forma tacanha de manter o controle dos apoiadores: a manipulação pelo medo. Dominam as redes sociais com inverdades e tergiversações. Questionam, de modo insistente, a lisura das eleições. Ou até mesmo sabotam o processo de registro das candidaturas, permitindo que apenas seus correligionários ou adversários políticos sem qualquer expressividade disputem o pleito. Também criticam de maneira contumaz — ou mesmo proíbem — a participação de observadores internacionais, sob a mascarada alegação de violação da soberania. Se não conseguem o domínio absoluto dos demais Poderes da República, fazem malabarismo para colocar a população contra o Legislativo e o Judiciário e criam a narrativa da perseguição política. Esculhambam com a imprensa e a tratam como inimiga, um subterfúgio para esconder seus malfeitos.

À zero hora de ontem, venceu o prazo para o registro dos candidatos às eleições presidenciais na Venezuela, uma clássica ditadura. O regime de Nicolás Maduro impediu a inscrição da chapa encabeçada pela filósofa e professora Corina Yoris, escolhida por María Corina Machado depois da inabilitação política da ex-deputada, que era a candidata de consenso da oposição. Maduro seguiu à risca parte das ações elencadas no parágrafo anterior do texto. Sem nenhum apego à democracia, também silencia os opositores e reprime protestos nas ruas sem se importar em derramar sangue. Tudo sob a desculpa de proteger a Venezuela das garras do imperialismo e de impulsionar um pseudosocialismo criado por Hugo Chávez. Enquanto isso, a população mingua de fome e de desesperança.

Pelo que tudo indica, por pouco não conseguiram implementar um regime semelhante no Brasil. Graças a trapalhadas, que incluíam ataques públicos às urnas, reuniões abertamente golpistas nos palácios do Planalto e da Alvorada e retórica ameaçadora contra o Supremo Tribunal Federal, o plano conspiratório nasceu morto no Brasil. Principalmente porque o Exército não quis aventurar-se em uma loucura inconsequente e imprevisível. Se na Venezuela o fantasma era o imperialismo do Tio Sam, no Brasil o bicho-papão foi o comunismo — ainda que tenha ruído com a cortina de ferro há décadas.

É preciso que o Brasil e outras nações se preservem e afastem o risco de seguirem a cartilha de Nicolás Maduro. Por muito pouco não estivemos com a democracia ferida de morte. Que as instituições se mantenham sólidas e os poderes, independentes e harmônicos. Que qualquer tentativa de atentado contra o Estado Democrático de Direito seja punida nos mais rigorosos termos da lei. Devemos isso aos torturados, aos desaparecidos e aos mortos durante a ditadura. Devemos isso ao futuro do Brasil. E à nossa sanidade.

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QOSHE - Artigo: Cartilha da ditadura - Rodrigo Craveiro
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Artigo: Cartilha da ditadura

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27.03.2024

Jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG) em 1997. Curioso por natureza, adora buscar histórias. Desde 2005, trabalha no Correio Braziliense, onde entrevistou laureados com o Nobel da Paz, embaixadores e ex-presidentes.

Em primeiro lugar, criam um factoide. Disseminam na base eleitoral o medo infundado do comunismo ou do imperialismo. Depois, cooptam os militares, oferecem postos do governo, despejam regalias e "compram" uma fidelidade quase canina. Então, se municiam de muitas fake news, uma forma tacanha de manter o controle dos apoiadores: a manipulação pelo medo. Dominam as redes sociais com inverdades e tergiversações. Questionam, de modo insistente, a lisura das eleições. Ou até mesmo sabotam o processo de registro das candidaturas, permitindo que apenas seus correligionários ou adversários políticos sem qualquer expressividade disputem o pleito. Também criticam de maneira contumaz —........

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