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Cinquenta e nove: uma esposa, dois filhos, um neto e amigos

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16.02.2024

Um conto, um canto, um corte.

Como se fosse um encanto, sempre que o carnaval acaba, eu me vejo novamente criança.

Se alguém um dia perguntar por mim, diga que eu nasci assim que o carnaval acabou, num dia de muita chuva, daquelas que despenca e logo passa, formando o intenso mormaço, como se o sol resolvesse fazer o inferno sentir inveja da terra.

Nasci todo torto e nenhum anjo veio me visitar, nenhuma asa, nenhuma trombeta, nada. O medo sim, esse nasceu comigo e atingiu tudo em volta.

E onde sucedeu tal ventura? A quatro quadras acima do portão de ferro, bem perto da cabeça de boi, no bairro Amambai, num tempo muito difícil, no qual por um breve (mas marcante) período nossa morada foi a varanda da casa de uma gentil senhora de bom coração, surpresa e impactada ao ver minha mãe comigo no colo e ainda levando seis irmãos, sem destino, desemparados, atirados à vida.

Dói lembrar, as lágrimas secaram, mas a dor ficou.

A chuva daquele dia lavou a calçada, encheu os rios, embalou a canoa, mas nunca apagou a minha poeira.

Sou campo-grandense da gema, raiz comprida arrancada do chão, no puxão forte de dedos, panela de carne com mandioca, terra vermelha, céu de araras. As águas da chuva do Guanandi já banharam o meu corpo manchado de nascença, figura vermelha, tal qual o barro do chão que eu pisava, pés descalços, calça curta, duas camisas, um conga azul, nada mais.

O barulho do sopro do vento nunca é o mesmo de quando criança, a........

© Campo Grande News


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