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O ano em que a tornozeleira eletrônica marcou culpados

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Ao longo da história, o poder sempre buscou marcar os culpados. Na Antiguidade, olhos eram vazados para impedir o retorno do olhar desafiador; em códigos antigos, como os mesopotâmicos, o castigo mutilava para tornar o crime visível. Na Idade Média, ladrões tinham mãos amputadas, e o ferro em brasa gravava na pele a culpa eterna, convertendo o corpo em aviso público. Séculos depois, o suplício físico cedeu lugar à prisão, aos registros, aos prontuários. No século XXI, a marca desloca-se: não fere a carne, mas vigia o passo. A tornozeleira, presa ao calcanhar — esse ponto frágil, o calcanhar de Aquiles —, transforma a culpa em rastreamento contínuo, silencioso, permanente.

No Brasil, essa transição ganhou escala e normalidade. Dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) indicam que cerca de 122 mil pessoas estavam sob monitoramento eletrônico ao final de 2024, o maior contingente desde a implantação do sistema, em 2010. O número não é um detalhe estatístico: ele contextualiza o que se consolidou em 2025 — a tornozeleira deixando de ser exceção jurídica e tornando-se instrumento recorrente da resposta penal do Estado, sobretudo em casos de grande repercussão pública.

Sem alterações legislativas relevantes, o Judiciário brasileiro passou a priorizar a vigilância contínua em investigações sensíveis. A tornozeleira tornou-se alternativa frequente à prisão preventiva prolongada, especialmente quando o risco não era apenas de fuga, mas de articulação política, destruição de provas, combinação de versões ou reiteração. Política, Previdência Social e sistema financeiro convergiram nessa estratégia: o Estado passou a vigiar em tempo integral aquilo que antes tentava conter apenas com grades.

O precedente político

O episódio mais emblemático ocorreu em 18 de julho de 2025, quando o Supremo Tribunal Federal determinou que o ex-presidente Jair Bolsonaro passasse a cumprir medidas cautelares com uso de tornozeleira eletrônica, além de recolhimento domiciliar noturno e restrições de comunicação. A decisão integrou o inquérito que apura a tentativa de........

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