Lula e a diplomacia da contenção
Sanções, apreensões marítimas e narrativas securitárias empurram a crise EUA–Venezuela para um regime permanente de atrito. Longe da retórica heroica ou da mediação formal, Lula atua como operador de contenção sistêmica, buscando ganhar tempo histórico e impedir que a normalização da coerção por fluxos transforme o Caribe em um novo ponto de erro irreversível do sistema internacional.
O sistema internacional atravessou uma mutação silenciosa. As grandes potências já não precisam declarar guerras para produzir instabilidade, nem derrubar governos para reorganizar regiões inteiras. O conflito contemporâneo deslocou-se para um regime mais denso e mais perigoso, no qual a violência raramente se apresenta como ruptura espetacular. Ela se manifesta como atrito contínuo, acumulado, normalizado. O risco já não nasce de decisões excepcionais, mas do funcionamento regular do próprio sistema.
Nas últimas décadas, sanções econômicas, bloqueios financeiros, interdições logísticas, apreensões seletivas e enquadramentos securitários passaram a ocupar o centro da política internacional. Esses instrumentos não suspendem formalmente a ordem global. Ao contrário, operam dentro dela, sob o vocabulário da legalidade, da técnica e da administração. Apresentam-se como medidas pontuais, mas produzem efeitos estruturais: comprimem o tempo, encurtam margens de manobra e transformam o cotidiano em um espaço permanente de pressão.
O que se alterou não foi apenas o repertório de instrumentos, mas a lógica do conflito. A guerra aberta, paradoxalmente, costuma vir acompanhada de canais claros de comunicação, objetivos explicitados e algum grau de racionalidade estratégica compartilhada. A fricção permanente dissolve esses amortecedores. Ela cria ambientes saturados de pequenos incidentes, gestos ambíguos e pressões graduais, nos quais o erro deixa de ser uma exceção estatística e passa a integrar a própria dinâmica do sistema.
Nesse regime, o perigo central não reside na decisão soberana de escalar, mas na perda progressiva de controle político sobre processos que parecem administráveis. Sanções se acumulam, operações se sobrepõem, narrativas se cristalizam e rotinas de enforcement ganham autonomia. A política passa a correr atrás da técnica. E a técnica, desprovida de horizonte histórico, executa protocolos sem ponderar consequências de longo prazo.
Esse deslocamento ajuda a compreender por que tantas crises contemporâneas parecem, ao mesmo tempo, intermináveis e instáveis. Elas não avançam para a guerra aberta, mas também não retornam à negociação estruturada. Permanecem suspensas em um estado intermediário, no qual cada novo movimento reduz um pouco mais a margem de correção. O sistema internacional entra, assim, em um tempo comprimido, onde decisões aparentemente menores carregam efeitos potencialmente desproporcionais.
É nesse contexto que a noção clássica de vitória perde centralidade. O problema deixa de ser vencer o outro e passa a ser evitar que o acúmulo de fricção produza um colapso não intencional. O campo decisivo da política internacional contemporânea já não é apenas o território, nem a retórica ideológica, mas a gestão do risco sistêmico. Quem consegue conter a fricção ganha tempo. Quem não consegue, acelera o erro.
É a partir desse mundo, organizado menos por confrontos declarados e mais por atritos contínuos, que se deve compreender as tensões no Caribe, a coerção exercida sobre a Venezuela e o papel específico que alguns atores passaram a desempenhar. Antes de falar de líderes, decisões ou episódios, é preciso reconhecer o terreno histórico em que todos estão pisando: um sistema em que o cotidiano se tornou perigoso e onde conter passou a ser mais difícil, e mais decisivo, do que confrontar.
O regime da fricção permanente opera por um método específico. Ele não se impõe pela ocupação territorial nem pela guerra declarada, mas pelo controle seletivo dos fluxos que sustentam a vida econômica, política e social. Energia, finanças, logística, seguros, crédito, informação e mobilidade tornaram-se alavancas centrais de poder. Quem controla esses fluxos não precisa derrubar governos para condicioná-los. Basta interromper, encarecer ou tornar instável o funcionamento cotidiano.
Essa forma de coerção tem uma vantagem decisiva: ela se apresenta como normalidade. Sanções são descritas como instrumentos legais. Apreensões........





















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