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As metamorfoses de um renomado artista plástico no mercado da arte

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05.01.2025

Histórias do cotidiano, com seus simbolismos e arquétipos, por Lucrecia Zappi, escritora, jornalista e tradutora, autora dos romances 'Onça Preta', 'Acre' e 'Degelo'

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A última vez que o viram foi no Réveillon, em sua cobertura. Era o que atestava o laudo policial. Wallace estava diante de seu quadro, o autorretrato de um alpinista sobre uma montanha branca. No pescoço da figura pintada, o detalhe de proteção do orixá africano: uma guia branca se confundia com a neve.

Analisava a nova obra, pensando no livro de Kafka que tinha acabado de comprar. As pinceladas leves mas decididas, a tela esticada com perfil de dez centímetros de profundidade, o linho cru aparente nas bordas. Era arte. Mais importante: era arte cara. Pensou na próxima imagem que pintaria, sob a epiderme de um verme. A rima era boa. Bom título, riu consigo.

Wallace Jardim era um artista de sucesso, figurava em leilões internacionais e em megagalerias. A ascensão tinha sido como os fogos de artifício que avistava do terraço, era ele ali, no céu explosivo de um 2025 que despontava. Desde que decidiu ser uma figura de êxito, de milhões, deixando para trás o artista que não se importava com nada disso, a não ser pintar, dependia do combustível da aprovação de todos.

Desde que adquiriu o tríplex, passou a promover festas disputadas e a fila de curadores e colecionadores não parecia se esgotar, da portaria do prédio até a brisa no terraço mais alto. Empregados com pinta de modelo cumprimentavam os convidados com um beijo, servindo uísque japonês e caviar. Arranjos florais ikebana muito finos formavam um caminho coreográfico pela casa. O serpenteio animado se via nos grupinhos de três ou cinco para retocar a maquiagem no banheiro e um livro aberto de agradecimentos na entrada era também um tipo de lista negra para quem não veio.

Fila eterna!, ouviu.

Eterno enquanto durar, reagiu........

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