Desde 15 de março de 2020 até 18 de novembro de 2023, todos os dias de manhã, assim que eu acordava, escrevia cinco perguntas no meu diário.

Discussões, notícias e reflexões pensadas para mulheres

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Como posso transformar o meu medo em coragem?

Como estou me sentindo agora?

Como vou gozar o dia de hoje?

O que é importante para mim neste momento?

O que eu faria se não tivesse tanto medo?

Minhas respostas eram quase sempre as mesmas: escrever, ler, trabalhar, caminhar na praia, conversar com meus melhores amigos nonagenários.

Com a chegada da pandemia, eu me protegi dentro da minha casa: passei a dar entrevistas, aulas e palestras online; conversar diariamente por telefone com meus melhores amigos Guedes e Thais, de 98 anos; assistir filmes e séries coreanas com meu marido etc.

Meu marido também passou a trabalhar em casa e nosso lar virou um escritório. No final de 2021, meu marido voltou a ter uma "vida (quase) normal": passou a fazer o "churrasquinho do vovô" para os dois netinhos, almoçar com a mãe, encontrar os amigos, trabalhar presencialmente na escola e no escritório.

Eu continuei fazendo (quase) tudo em casa. Quando todo mundo que eu conheço já havia voltado à "vida normal", continuei usando máscara em elevadores e locais fechados.

Em outubro de 2021 comecei meu pós-doutorado em psicologia social sobre maturidade, envelhecimento e felicidade e passei a entrevistar mulheres de mais de 50, 60, 70, 80 e 90 anos. Descobri que sete "As" são fundamentais para construir uma "bela velhice": autonomia, amizade, amor, alegria, autenticidade, aprendizado e autocuidado. Estava muito empolgada com a minha pesquisa e escrevendo muito. Eu me sentia protegida dentro da minha concha.

Tudo mudou com o incêndio do meu prédio no mês passado. Descobri que não estava tão protegida e segura dentro de casa como imaginava. Fiquei três semanas em uma casinha do meu cunhado em uma cidade perto do Rio de Janeiro. Eu não tinha coragem de voltar para casa.

No dia 11 de dezembro, meu aniversário, me lembrei do conselho do meu melhor amigo: "Tem que ter coragem, Mirian. Coragem. Você vai sim".

Decidi voltar para casa, apesar de ainda estar traumatizada, vulnerável e deprimida. Precisava encontrar, dentro de mim, força e coragem para tomar posse da minha vida. Estava me sentindo uma velha inválida, totalmente à mercê das decisões, opiniões e desejos dos outros.

Assim que cheguei, resolvi fazer uma "faxina existencial". Afinal, o que é "faxina existencial"?

No dia da minha progressão para professora titular da UFRJ, 15 de maio de 2015, fiz uma promessa: iria ficar um ano sem comprar absolutamente nada para mim. Resolvi doar tudo o que não uso e ficar só com o que é realmente essencial. Dei para os meus alunos e instituições mais de 5.000 livros (foi o desapego mais difícil) e quase 80% das minhas roupas, sapatos, bolsas etc.

Na "faxina existencial", decidi também me afastar de todas as pessoas tóxicas, egoístas e perversas que me deixavam doente, inclusive no meu trabalho e na minha família.

Na semana passada, quando meu marido me perguntou o que eu queria fazer no meu aniversário, descobri que o que eu realmente precisava era limpar e organizar meu mundo externo para encontrar paz e equilíbrio no meu mundo interno.

Respondi: "Quero organizar meus livros, diários e cadernos de pesquisa".

Ele reagiu: "Mas hoje é seu aniversário. Vai trabalhar o dia inteiro?".

Respondi: "Hoje é meu aniversário. E é assim que eu quero passar o meu dia".

Foi um aniversário maravilhoso. Estou fazendo a faxina até hoje, desde a hora em que acordo até a hora de dormir.

Desde o incêndio, parei com o meu ritual de fazer as cinco perguntas existenciais assim que acordo, mas não parei com meu ritual noturno de gratidão. Antes de dormir, escrevo no meu diário tudo o que quero agradecer naquele dia que passou: minha saúde, meu amor, meus amigos, meu trabalho, meu lar. Depois, faço um coração ao redor do que escrevi. Apesar dos traumas, das perdas e dos medos, ou talvez exatamente por causa deles, sempre tenho muito a agradecer.

Gracias a la vida que me ha dado tanto…

Feliz Natal! Bora fazer uma "faxina existencial"?

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Faxina existencial pode ajudar a superar traumas, obstáculos e adversidades

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20.12.2023

Desde 15 de março de 2020 até 18 de novembro de 2023, todos os dias de manhã, assim que eu acordava, escrevia cinco perguntas no meu diário.

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Como posso transformar o meu medo em coragem?

Como estou me sentindo agora?

Como vou gozar o dia de hoje?

O que é importante para mim neste momento?

O que eu faria se não tivesse tanto medo?

Minhas respostas eram quase sempre as mesmas: escrever, ler, trabalhar, caminhar na praia, conversar com meus melhores amigos nonagenários.

Com a chegada da pandemia, eu me protegi dentro da minha casa: passei a dar entrevistas, aulas e palestras online; conversar diariamente por telefone com meus melhores amigos Guedes e Thais, de 98 anos; assistir filmes e séries coreanas com meu marido etc.

Meu marido também passou a trabalhar em casa e nosso lar virou um escritório. No final de 2021, meu marido voltou a ter uma "vida (quase) normal": passou a fazer o "churrasquinho do vovô" para os dois netinhos, almoçar com a mãe, encontrar os amigos, trabalhar presencialmente na escola e no escritório.

Eu continuei fazendo (quase) tudo em casa. Quando todo mundo que eu conheço já havia voltado à "vida normal", continuei usando máscara em elevadores e locais fechados.

Em outubro de 2021 comecei meu pós-doutorado em psicologia social........

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