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Crónica de um assalto institucional: o Estado, ladrão vs. Jerónimo, empresário agrícola

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18.12.2025

No mundo rural, o Jerónimo não é exceção. É regra.

É agricultor, mas também é gestor, tesoureiro, jurista improvisado, especialista em fiscalidade e, cada vez mais, resistente emocional. Em Portugal, ninguém que trabalhe a terra pode dar-se ao luxo de ser apenas agricultor. A burocracia exige polivalência; o Estado exige submissão; a agricultura exige tempo — coisa que o sistema insiste em roubar.

O Jerónimo decidiu investir. Investiu numa cultura permanente, daquelas que só dão frutos ao fim de quatro anos. Investiu capitais próprios, acreditou na neutralidade do IVA, pagou a fornecedores locais, construiu vedações, casas de rega, infraestruturas indispensáveis a qualquer exploração agrícola minimamente moderna. Fez tudo “como manda a lei” e o esforço de tesouraria é brutal e evidente e, numa economia funcional, este valor do IVA seria devolvido para recapitalizar o investimento em curso.

Isto porque, entre obras e serviços, o Jerónimo investiu cerca de €400.000. Desse montante, astronómicos €92.000 corresponderam a IVA, pago integralmente aos fornecedores, que o liquidaram, declararam e entregaram ao Estado. O dinheiro entrou nos cofres públicos. Sem truques, sem omissões, sem fuga. E o Estado sabe e pode verificar e controlar!

Como acontece na agricultura de culturas permanentes, o Jerónimo não tinha receitas. A terra ainda não dava frutos. O IVA pago acumulou-se como crédito. A lei prevê uma solução para este hiato: o reembolso de IVA, precisamente, admitia-se, para não asfixiar quem investe antes de produzir.

Ao pedir o reembolso, o Jerónimo ativou aquele que é o mecanismo mais eficiente da administração pública portuguesa: a inspeção tributária, o seu “olho de Sauron”.

A Autoridade Tributária reconheceu o essencial — o Jerónimo estava em fase de investimento, sem receitas, e tinha direito à dedução do imposto. Mas decidiu ir mais longe. Reclassificou, com base em formalismos e nas suas definições e interpretações cada vez mais intricadas e complexas — parte dos serviços prestados ao Jerónimo, como sujeitos a inversão do sujeito passivo (autoliquidação), ao abrigo do artigo 19.º, n.º 8 do CIVA.

Resultado prático: €20.000 foram aceites e devolvidos, mas a devolução de €72.000 foi recusada.

Porquê? Porque, segundo a AT, esses serviços não deviam ter sido faturados com IVA pelos fornecedores. Logo, o IVA pago “não é dedutível”. Ou seja, o Estado ficou com o dinheiro —........

© Sapo