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No fim, as palavras

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09.04.2025

«Invento a realidade nas palavras que a inventam – se eu soubesse a palavra dessa realidade. Uma palavra de beleza, de paz, de harmonia. […] Vou inventá-la rapidamente antes de alguém ma negar – meu amor.» Vergílio Ferreira, Para Sempre

O mundo vive nas palavras, que nos segredam o que foi, o que será. Nelas se guardam os feitos do passado, os impérios gloriosos, as cidades derruídas. E nem a incerteza lhes sombreia a essência. A língua, argila pura nas mãos sábias e enrugadas de um oleiro, não sucumbe à descrença nem ao caos. Une prógonos e pósteros, como se o tempo e a distância fossem apenas frívolas mentiras. Afinal, Petrarca e Neruda amaram com os átomos da mesma poesia.

Desde tempos imemoriais, a alma das palavras — a origem, o sentido — ocupou o pensamento do Homem. Foi assim com Demócrito (460-370 a. C.), filósofo grego que, além de desbravar o atomismo e defender a infinitude do cosmo, registou os fenómenos da polissemia e sinonímia. Lembro ainda o polímata Varrão (116-27 a. C.), o primeiro gramático latino, autor do tratado De Lingua Latina, cuja sapiência e argúcia foram notadas por Cícero nos Livros Académicos e por Santo Agostinho n’A Cidade de Deus. E nem se olvide Quintiliano (35-96 d. C.), que nos legou a Institutio Oratoria, doze volumes sobre educação, gramática, literatura, oratória e retórica, quiçá o primeiro manual de ensino.

As palavras são conhecimento, esperança, loucura e fé. Também júbilo e salvação. E ainda ardil, pois «não há linguagem sem engano», como escreveu Italo Calvino em As Cidades Invisíveis. Crípticas ou hialinas, acolhem desígnios, pensamentos, tradições, impedindo que a sabedoria e os mistérios da humanidade se evolem, silentes, como a nossa própria vida. Caem a prumo de todas as épocas, de todos quadrantes. Corre-lhes no sangue a eternidade. Nem o pó do oblívio as apaga ou esconde. Simplesmente, ficam.

Perfeita se revela a síntese de Eugénio de Andrade nos versos que........

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