A politização do género
Da mesma forma que muitas pessoas se sentem atraídas por acidentes de carro, eu resisto dificilmente a livros radicais e argumentos aparentemente absurdos. Um bom exemplo aconteceu-me com o livro O direito ao sexo, de Amia Srinivasan, uma coleção de ensaios construídos em torno da seguinte premissa: “O sexo é uma coisa cultural que se faz passar por uma natural.”
Há um duplo sentido nesta ideia que decorre do duplo sentido permitido pela palavra “sexo”: não só não existe algo como o sexo biológico, uma vez que “o sexo é já em si o próprio género camuflado”, como também “o sexo, que consideramos um dos atos mais privados é, na realidade, uma coisa pública.”
O subtítulo do livro é Feminismo no século XXI e isso ajuda-nos a enquadrar esta forma de pensar: o que uma certa corrente do feminismo fez nas últimas décadas foi uma radicalização dos dois princípios consagrados pela revolução feminista da década de 1960. Por um lado, absolutizar o conceito de género ao ponto de considerar que todos os aspetos que decorrem da pertença a um dos sexos estão culturalmente carregados (o mesmo é dizer, servem um propósito político): falar em sexo feminino significaria já a indicação de que esse grupo tem como função servir os homens.
Por outro lado, a autora considera que o próprio ato sexual é político: as emoções que sentimos, quem desejamos e quem é desejado são aspetos culturais e políticos – de acordo com “regras que se aplicam a tudo isto [e que] foram estabelecidas muito antes de termos chegado a este mundo”. E não, a autora não está a falar do Criador ou da Natureza, mas da “patriarquia”, que define as regras que determinam as dinâmicas de poder e exploração na sociedade. E se tudo é político, tudo pode ser reformulado, nomeadamente as nossas preferências sexuais, para atender a “um dever de transfigurar, o melhor que pudermos, os nossos desejos”.
É desejável reformular o desejo para termos uma sociedade com menos........
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