Nem sempre temos tudo aquilo que queremos
“Mais vale um pássaro na mão que dois a voar”, diz o povo, e com razão. “Quem tudo quer, tudo perde”, acrescenta ele. “O óptimo é inimigo do bom”, finaliza. Tudo versões da ideia de que o mundo não é simples, nós ainda menos e os caminhos das salvações e soluções perfeitas acabam invariavelmente na desilusão, no desapontamento, connosco de mãos vazias, resmungando que “da próxima vez é que vai ser” — uma importante lição que apenas a idade, o amadurecimento e a experiência podem oferecer, mas que, infelizmente, particularmente em Portugal, tarda em triunfar.
Na política, o perfeccionismo das grandes soluções tende a gerar dois efeitos: primeiro, a rejeição do presente com todos os seus evidentes defeitos; depois, a consequente elaboração de uma completa refundação da situação que resolva todas as deficiências encontradas. Ora, entre, por um lado, a inevitável complexidade da realidade pejada de particularidades que, a cada pedra que se destape, revelam infindáveis novos problemas, e, pelo outro, a sedutora perfeição da solução que, no campo da teoria, sempre limpa, recta, simples, desenhada a régua e esquadro, sem mais atrito ou limite que o do papel e a imaginação do criador, tudo promete resolver, entre uma e outra, logo esta última tende a crescer exponencialmente, em tudo se propondo a mexer, salvar, refundar. Às tantas, instala-se uma espécie de síndrome de Lampedusa, uma versão reformulada dos intentos de Tancredi em Il Gatopardo: em tudo querendo mudar, sendo a mudança tão grande e tão radical, impossível, portanto, acaba tudo ficando na mesma.
Essa tem sido a sina portuguesa — um romantismo perfeccionista que degenera num imobilismo gritante. Sempre na ânsia da grande refundação, tendem os Portugueses a manifestar propósitos grandiosos, objectivos espectaculares e finalidades nobres e celestiais que, invariavelmente, terminam na nomeação de uma nova comissão que, de tanta importância e relevância que a nova reforma tem, se imagina absolutamente necessária como primeiro passo para os hercúleos trabalhos reformadores que se planeiam com aprumo no papel e no palanque. Depois, os heróis da reforma, apesar de esmeradamente preparados em terra, nunca chegam a alto mar. Já as respeitosas, fundamentais e veneráveis comissões, essas, tendem a perdurar no tempo, assim atestando, simultaneamente, quer a sua importância como a sua inoperância.
Eis pois então a particularidade portuguesa que explica como, nos últimos quarenta anos, vivendo mal habituados às custas da Coesão, dos QREN, dos PRODER, do BCE, do QE, das “bazucas” da vida, etc., etc., em suma, da boa-vontade dos contribuintes do norte da Europa, conseguimos afundarmo-nos em dívida, subsídios, e muito desperdício, assumindo esta profunda incapacidade para o risco, a........
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