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Guardar a Infância

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22.04.2024

Tinha oito anos, quando se deu o 25 de Abril de 1974.

Na altura, estávamos na Guarda. Bem cedo, o Dr. Lacerda bateu à porta. O pai, era delegado do procurador geral da República. O Dr. Lacerda, era juiz. Vivíamos nas casas de função, lado a lado, o delegado, o juiz e o juiz corregedor.

O pai, com essa batida urgente das sete da manhã, ficou preocupado. Afinal de contas, o edifício da PIDE estava no cimo da rua. E ele tinha o hábito de comprar livros proibidos na livraria do Sr. Casimiro, que lhe contara, quando ele saía, um agente da polícia política entrava, a perguntar pelos títulos comprados.

Lembro-me de folhear, no ano de 1973, na sala rodeada de livros lá de casa, os Contos do Gin-Tonic do Mário Henrique Leiria, com o seu design impressivo, e o Dinossauro Excelentíssimo, de José Cardoso Pires, com as magníficas ilustrações de João Abel Manta.

“Aconteceu uma revolução”, disse o pai, e foi a correr para o rádio.

Eu fiquei a matutar. O que seria uma revolução?

No dia seguinte, não tivemos aulas, o que foi ótimo, pois embarcámos num fim de semana grande!

Na segunda-feira, como em tantos outros momentos, calcorreei a rua, até à escola primária do Bonfim. No começo da aula, o professor Lourenço, pôs uma cadeira sobre o estrado, subiu a cadeira, e retirou o retrato que encimava o quadro negro. Eram uma fotografia oficial do então presidente da República, Américo Thomaz. Sei, agora. Na altura, não fazia a mínima ideia de quem era o homem, só uma peça decorativa na parede.

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O professor Lourenço, já nos seus sessenta anos, desceu do estrado, segurando a pesada moldura com as duas mãos. Encostou-a à parede. Depois, ajoelhou-se, levantou o estrado, e empurrou para esse espaço vazio dentro dele a fotografia do presidente, virada........

© Observador


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