A corrupção
A corrupção é um exercício descendente: o corpo morto corrompe-se e decompõem-se; a língua mal cuidada é corrompida e degrada-se. As pessoas, para constituir vantagens indevidas, em diversas situações, corrompem-se ou são corrompidas. Estão vivas, mas acontece-lhes o destino dos corpos e da língua – degradam-se, decompõem-se.
A corrupção do corpo é algo que acontece, com ritmos que a Natureza determina, apesar dos exercícios da ciência e dos mitos sobre a juventude eterna. Uma língua, mal falada, mal escrita, aguenta-se, pese embora a dor que causa assistir à sua degradação. Mas uma alma corrompida é coisa que faz abalar a estrutura do universo. O sentido do bem e do mal remetem para a possibilidade de equilíbrio entre as pessoas e as coisas. A corrupção da alma é um mal, acontece pela obtenção de vantagens indevidas. O que é uma vantagem que não nos pertence? Toda aquela que é obtida por meios lícitos ou ilícitos para lá do razoável equilíbrio das transações. As trocas, as transações, são parte essencial do quotidiano – toma lá, dá cá. A maior parte dos seres humanos vive em situações de troca (poucos são os que se retiram, e dizem “não desejo da Terra bem algum”). Procuramos vantagens para nós e para os que amamos, para nós e para os que fazem parte da nossa comunidade de interesses, do grupo com quem temos afinidades eletivas. A legítima procura de vantagens é parte de um modelo social em particular, daquele em que, por acordo prévio ou por costume, não se instituiu, de raiz, uma distribuição equitativa.
Aparentemente, em alguns momentos da História, terá havido sociedades mais igualitárias, onde o sentido de vantagem pessoal não se colocava, por a vida minha, ou a dos próximos, não ser apresentada como adversa à vida dos outros. Mecanismos estruturais, comummente aceites, de distribuição e redistribuição fariam com que todos beneficiassem dos mesmos bens e todos se comprometessem nos mesmos deveres. Para lá das mitologias da Europa Moderna sobre o........
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