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Depois de ter organizado, em parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian, um curso essencialmente destinado a professores de História do ensino básico, e que tinha como objectivo ajudá-los a contar a história do tráfico transatlântico de escravos e do sistema de escravidão posto em prática pelos portugueses nas suas colónias, a antropóloga Raquel Machaqueiro deu uma entrevista ao Público em que nos revelou as suas convicções sobre esses assuntos. E elas são de molde a deixar-nos boquiabertos tal o fosso entre as ditas convicções e o conhecimento (ou carência dele) em que se suportam. Vejamos cinco casos concretos:
1- A entrevistada começa por reconhecer “que não há estudos económicos a comprovar os ganhos da escravatura”, afirma que esses lucros não estão contabilizados e que isso “é uma falha da historiografia portuguesa”, mas isso não a impede de garantir que “a escravização de pessoas financiou toda a empresa dos Descobrimentos.” É verdade que Raquel Machaqueiro evoca um estudo de Jaime Reis, Leonor Freire e Nuno Palma, que aponta para 20% do PIB em ganho líquido do comércio ultramarino, mas isso é no final do século XVIII, quando já há muito havia passado a época dos Descobrimentos, além do que, como a própria Raquel Machaqueiro reconhece, “nesse estudo não se faz a distinção entre a escravatura e outras mercadorias que eram transacionadas.”
Mas se os lucros do tráfico português ainda não estão estudados, os de outros países já o estão, há muito, e deixam perceber aquilo de que falamos. Se Raquel Machaqueiro tivesse lido Roger Anstey, The Atlantic Slave Trade and British Abolition, saberia que o lucro dos tráficos holandês e francês andava, quando as viagens corriam bem, à volta de 6 ou 7%, um pouco abaixo dos lucros do tráfico britânico, que eram, em viagens bem-sucedidas, de 8 ou 9%. Se consultar o livro de Joseph C. Miller, Way of Death. Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade, verá que tráfico era ou podia ser um negócio miserabilista. Foi só no século XIX, nos últimos anos do tráfico, quando ele já era ilegal e perseguido, que os lucros escalaram exponencialmente, como David Eltis mostrou em Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade.
Acresce que aquilo a que chamamos Descobrimentos, decorreu da segunda década do século XV a meados do XVI, período em que o tráfico de escravos teve um volume comparativamente reduzido. Mesmo incluindo o tráfico espanhol terá sido da ordem das 100 mil pessoas. Ora, é muito improvável que um tal quantitativo tenha servido para custear os........
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