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Carmo Afonso e o ensino da História

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14.06.2024

Carmo Afonso, a advogada que, nos últimos anos, tem protagonizado alguns dos mais rasteiros momentos do comentariado nacional — como, por exemplo, este seu rol de boatos e insinuações sobre a vida privada de Sebastião Bugalho —, brindou-nos neste 10 de Junho, Dia de Portugal, com um apelo a que se alterem os programas do ensino da nossa História.

Incomodada com o orgulho que os portugueses têm no seu passado, acha que isso tem de ser revisto a começar logo nos bancos da escola. Efectivamente, Carmo Afonso considera que a História que nos foi e continua a ser ensinada é uma “visão benigna” de um passado que, ao contrário da famosa canção dos Da Vinci, “tem mais de subjugação, escravidão e sangue do que de cultura e ternura”. Pretende, por isso, que se acrescentem “outros factos à narrativa idílica dos Descobrimentos”. Deseja, por exemplo, que se fale “da chegada dos barcos portugueses carregados de escravos aos portos da Europa”, nomeadamente aos portos holandeses. Quer que se refira o cheiro que, com vento de feição, precedia esses navios e que, segundo Carmo Afonso, resultaria “da exploração terminal dos corpos, do suor e da morte.” Acha que tudo isso são aspectos do “colonialismo” que erradamente o Portugal democrático nunca criticou como deveria. Em consequência dessa omissão o país tem agora, segundo Carmo Afonso, “um trabalho ciclópico pela frente” que obriga a “aprofundar a disciplina de História e acrescentar-lhe factos.”

Sucede, porém, que os factos que a cronista Carmo Afonso quer acrescentar estão errados ou muito torcidos. O “colonialismo” foi um sistema de exploração económica e de dominação política que, em África, foi posto em marcha na parte final do século XIX e na primeira metade do século XX, numa altura em que o tráfico transatlântico de escravos já tinha terminado. Não são coisas contemporâneas nem interligadas. Por outro lado, o tráfico negreiro, levado a cabo em navios portugueses e de outras nações ocidentais, não visava trazer escravos para os portos da Europa — isso foi muitíssimo marginal na história do tráfico, constituindo cerca de 0,1% do seu total —, mas sim para as Américas. Não me consta que os portugueses tenham carregado navios de escravos para irem desembarcá-los a Roterdão. Acresce que o cheiro dos navios não era necessariamente o cheiro da morte. Morria-se nos navios negreiros, sim, mas as tripulações não........

© Observador


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