Economia criativa, artificação e articultura (I)
No século XX e, sobretudo, no século XXI as formas de arte e cultura são cada vez mais diversificadas e surpreendentes. Multiplicam-se os dispositivos tecno-digitais, as instâncias de legitimação e reconhecimento, os mediadores e os promotores, o número de artistas e profissionais envolvidos, os espaços e os eventos para a produção artística e cultural, abrem-se novos conceitos e categorias e mundos sociais até agora inéditos ao universo da criação artística. Neste mundo surpreendente, a arte e a cultura são consideradas mais como atividade e processo do que como objeto e produto. A artificação é o modo como designamos este processo mais geral de objetivação e instituição da arte e da cultura. A artificação como processo tem a ver com novos materiais, a utilização de técnicas e tecnologias mais inovadoras, profissionais mais qualificados e novas formas de trabalho, novos equipamentos e espaços públicos e culturais, medidas de política mais diferenciadas. Por sua vez, a articultura, como expressão final desse processo, manifesta-se sob múltiplas formas, por exemplo, as artes virtuais, a arte urbana, a arte lixo, a arte ambiente, a arte da paisagem, a arte bruta, a arte, o desporto e a saúde, se quisermos, uma certa esteticização da vida ao quotidiano e, sobretudo, a emergência de novas sociabilidades inesperadas e surpreendentes que compensam a monotonia e melancolia das velhas socializações operadas pela família, o trabalho e o Estado.
Nesta grande transformação as artes digitais e as redes sociais, em especial, projetam-se energicamente sobre a economia criativa que, assim, estende a criação artística e cultural a campos e universos até então inimagináveis. Esta extensão da criação artística, ao mesmo tempo, simbólica e prática, discursiva e material, é acompanhada por uma transfiguração das pessoas, objetos, representações e ações. O objeto torna-se arte, a produtor torna-se artista, a fabricação vira criação, os observadores tornam-se público, ou seja, assistimos a um deslocamento da fronteira entre a não-arte e a arte. A projeção do digital e da rede sobre o criativo provoca uma explosão da criação artística, uma artificação em processo e, com esta fabricação de arte, a desconstrução da categoria arte tal como a conhecíamos nos séculos XIX e XX. Com efeito, em cada esfera de atividade existia uma academia ou corporação de homologação, legitimação e reconhecimento, de regulação e normalização, de barreira entre o artista e o artesão. Uma academia, um mercado, um público, uma crítica, uma estética. Vivemos, doravante, num ambiente pós-estruturalista, uma espécie de metanarrativa do universo da........
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