A parte mais pura da verdade
Nasci triste. De natureza triste, quero dizer. Ou seja, a minha tristeza não decorre da má sorte nem da repetição crónica de azares na vida, graças a Deus, como acontece para aí com dois terços da Humanidade, ou talvez mais, que vivem esmagados pela miséria, a fome, a guerra, a peste, a loucura, a morte todos os dias. Todos os dias, vejam bem! Não. Nada disso. Eu não faço parte dos milhões e milhões de desafortunados de quem se ouve falar todos os dias em todos os meios de comunicação, primeiro com grande preocupação, sempre com grande preocupação, e depois para sempre em rodapé – aqueles milhões cujo sofrimento tanto me impressiona e logo me remete para a indiferença, aqueles milhões de desgraçados que volta e meia vêm lá do fundo da sua penúria povoar os meus sonhos e me sussurram ao ouvido:
– Mesmo sem nada, és um privilegiado.
Ou então:
– Não tens ouro, mas brilhas como uma pepita.
Ou ainda:
– Deus carrega o Diabo que vive em ti.
Sou triste, mas não é por........
© JM Madeira
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