A liberdade económica e a família, valores incontestáveis da direita, estão, novamente, sob ataque da esquerda, perante a passividade de boa parte da sociedade. Qual refém com síndrome de Estocolmo, a sociedade portuguesa reage com letargia enamorada ante os agressores, convencida que é amor a opressão. Mas já cá volto.

A fazer fé nas sondagens que se vão conhecendo, entre as várias incertezas que persistem, uma certeza parece começar a consolidar-se: o país vai virar à direita no próximo dia 10 de Março. Ou seja, os partidos à direita do PS vão somar mais de 50% dos votos. Mas se isto parece, numa leitura simplista, boa notícia no ano em que se celebram 50 anos do 25 de Abril (menos para os amigos do Manuel Alegre), o caminho de libertação ainda é longo e árduo e várias as distracções.

Sobre isto, impõem-se quatro notas de salvaguarda. Primeira, e nada irrelevante, nota de salvaguarda: vamos assumir que o PSD é de direita (e esquecer que elegeu e reelegeu 3 ou 4 vezes Rui Rio); que a IL é de direita (centrando-nos no programa económico e ignorando a sua obstinação com o centro); que o CDS é de direita (e passando ao lado do facto de o partido se chamar “centro democrático social” e do facto de a democracia-cristã ser “o” centro); que o Chega é de direita (ignorando o estatismo pulsante de um conjunto muito significativo de medidas, que lhe tem permitido roubar votos à esquerda, designadamente ao PCP). Segunda, e útil, nota de salvaguarda: a direita ter maioria não significa governar (como se tem percebido, mais do que nas disponibilidades para alianças, em algumas hesitações em viabilizar ou não um governo minoritário do PS). Terceira, e orientadora, nota de salvaguarda: se ganhar as eleições não significa governar, governar também não significa necessariamente conquistar e exercer o poder. Quarta, e de advertência, nota de salvaguarda: é verdade que nem tudo o que está à direita é libertador e democrata (como insistentemente nos dizem); mas, obviamente, nem tudo o que está à esquerda é libertador e democrata (como teimam em nos ocultar).

O problema, para que a terceira nota de salvaguarda seja assegurada, é que o país foi, fruto de longos anos de diligência da esquerda e acídia da direita, sequestrado cerebralmente pela esquerda. Não estou a falar de resultados eleitorais, que também confirmam a tese, estou a falar de um sequestro das mentes, da forma de pensar a sociedade e a política. Um quadro mental indigente e mentiroso, onde à esquerda há bondade intrínseca em todos os disparates e calor humano em todas as decisões, e à direita só sobra ganância e frieza interesseira.

Nisto, há duas questões centrais na batalha que a esquerda tem travado ao longo dos tempos com a direita: a diminuição da liberdade económica e o ataque à família.

Não por acaso, recentemente, ambas as pulsões vitais canhestras voltaram ao espaço público por intermédio de duas propostas de governo: o imposto sucessório,num ataque à família; e a obrigatoriedade de os médicos prestarem serviço no SNS, num ataque à liberdade económica.

O imposto sucessório, de que o país se livrou, em boa hora, em 2004, senta à mesa das partilhas o Estado, como se este fosse mais um membro da família. Ora, de entre o que se partilha na morte, os bens imóveis foram taxados na construção, no arrendamento, na transacção, pelas mais-valias geradas e até na manutenção; o rendimento do capital foi taxado; os bens móveis foram taxados na aquisição e nas transacções; o rendimento do trabalho foi taxado. Com o imposto sucessório, basicamente, o trabalho, o investimento e o risco de uma vida inteira, que foi, repito, taxado várias vezes em vários momentos da vida, passa a ser taxado novamente, na morte. Facto é que, entre a cupidez da cobrança, sobressai uma intenção ideológica: segundo esta, não é justo que alguém, pelo nascimento, tenha um “privilégio” à partida. Ora, isto, no limite, subsume o indivíduo à sua condição temporal e material, descontextualizando-o das suas origens, da sua família e da sua história, que o precede e que o continuará para lá da sua morte. O isolamento do indivíduo – em nome de um “colectivo” abstrato e de uma “justiça” igualitária – é uma arma de fragilização do Homem, às mãos do Estado, que se deveria conter em favor da protecção da família e da criação da riqueza, ao invés de se acirrar em favor de uma sanha ideológica. Eis, neste exemplo, uma exaltação coerciva da igualdade em detrimento da liberdade.

E por falar de exaltação coerciva em detrimento da liberdade, tivemos também recentemente outro exemplo: o da obrigatoriedade dos médicos prestarem serviço no SNS. O que o país não consegue assegurar, por causa de décadas de mau governo, por via de incentivos à permanência no país e à livre escolha do SNS pelos médicos, quer forçar por via da penalização e da amarra.

É claro que, para cada uma destas propostas, aqui descritas a nu e a cru, adicionaram-se, depois, várias subtilezas. Mas a pulsão ideológica está lá, em ambas. Que a esquerda seja esquerda não surpreende, o que é trágico é o acolhimento que a “boa vontade” das medidas (promover mais justiça social, pela via do igualitarismo, e dotar o SNS de recursos humanos para o bem de todos; ambas falaciosas) tem na sociedade portuguesa.

Dois amigos, esta semana, recordaram-me a célebre frase do conservador-liberal Valéry Giscard d'Estaing dita ao socialista François Mitterrand: “o senhor não tem o monopólio do coração”. É isto que a direita, sem tibiezas, tem que dizer e pelo qual tem que pugnar. Vencidas as eleições, a direita tem que partir rapidamente para este combate cerebral: convencer a sociedade portuguesa de que a esquerda não tem o monopólio da bondade.

Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia

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Um país cerebralmente sequestrado pela esquerda

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19.02.2024

A liberdade económica e a família, valores incontestáveis da direita, estão, novamente, sob ataque da esquerda, perante a passividade de boa parte da sociedade. Qual refém com síndrome de Estocolmo, a sociedade portuguesa reage com letargia enamorada ante os agressores, convencida que é amor a opressão. Mas já cá volto.

A fazer fé nas sondagens que se vão conhecendo, entre as várias incertezas que persistem, uma certeza parece começar a consolidar-se: o país vai virar à direita no próximo dia 10 de Março. Ou seja, os partidos à direita do PS vão somar mais de 50% dos votos. Mas se isto parece, numa leitura simplista, boa notícia no ano em que se celebram 50 anos do 25 de Abril (menos para os amigos do Manuel Alegre), o caminho de libertação ainda é longo e árduo e várias as distracções.

Sobre isto, impõem-se quatro notas de salvaguarda. Primeira, e nada irrelevante, nota de salvaguarda: vamos assumir que o PSD é de direita (e esquecer que elegeu e reelegeu 3 ou 4 vezes Rui Rio); que a IL é de direita (centrando-nos no programa económico e ignorando a sua obstinação com o centro); que o CDS é de direita (e passando ao lado do facto de o partido se chamar “centro democrático social” e do facto de a democracia-cristã ser “o” centro); que o Chega é de direita (ignorando o estatismo pulsante de um conjunto muito significativo de medidas, que lhe tem permitido roubar votos à esquerda, designadamente ao PCP). Segunda, e útil, nota de........

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