Há umas semanas escrevi aqui um artigo em que dizia que Montenegro estava a ganhar 3-0 às oposições: tinha ganho, durante a campanha, o debate com o Pedro Nuno Santos, usando a velha mestria de se mostrar alternativa ao seu principal adversário, assacando-lhe a incumbência e, por força disso, a responsabilidade do estado do país (1-0); tinha vencido as eleições, não obstante a novidade da acentuada fragmentação eleitoral e depois de ter assumido a arriscada estratégia do “não é não” (2-0); e estava a formar Governo, sem que sobre isso tivesse havido qualquer fuga de informação, num modo de fazer política à antiga (“à Cavaco”, como os comentadores classificaram em jeito de inusitado elogio) (3-0).

Merecedoras de nota curricular, a somar a estas vitórias recentes, Montenegro tem também algumas vitórias, derrotas e empates passados. Foi um competente e combativo líder parlamentar durante o Governo de Passos Coelho, como este lembrou recentemente (nota positiva); um derrotado candidato a líder do partido, tendo perdido para Rui Rio (nota negativa); um ardiloso ausente responsável pela derrota de Paulo Rangel à presidência do PPD (nota de cinismo); e um relativamente eficaz apaziguador, chamando Rangel e Pinto Luz, seus adversários no passado, para as vice-presidências do partido e para o Governo, bem como trazendo alguns “rioístas” e “passistas” para junto de si (nota de inteligência).

Já recentemente, com menos de um mês de Governo, sucumbiu cedo demais à chantagem do Chega e ao cinismo do PS na eleição do Presidente da Assembleia da República; geriu com ingenuidade, na versão benevolente, ou com chico-espertice, na versão mais exigente, o dossier da descida do IRS; e surpreendeu na escolha do candidato da AD às eleições europeias. Se as duas primeiras pequenas derrotas ficarão arrumadas no passado, das quais todos se esquecerão, se os resultados positivos (relativos aos objetivos políticos anunciados para os primeiros 100 dias) começarem a surgir, o terceiro facto (as eleições europeias) será uma factura a pagar ou um crédito a haver no futuro.

Sobre isto, e sobre a surpresa causada, esta teve duas expressões: a dos que consideraram a surpresa uma jogada genial, e a dos que a consideraram uma loucura irresponsável. De entre estes, as principais críticas que sobressaíram foram a questão da idade do candidato, o facto de “não ter percurso político”, de ser excessivamente ambicioso e de ter chegado directamente do “comentário político”. Desagravo: só num país esquizofrénico, onde não poucas vezes se entoam loas à juventude – como se a idade fosse virtude ou óbice –, onde as críticas aos “jotinhas” e ao carreirismo político abundam, onde a letargia e a falta de ambição tanto penalizam o país e onde tantos primeiros-ministros, ministros e líderes partidários saltaram do “comentário” para “funções políticas” e de “funções políticas” para o “comentário”, é que estas críticas podem ser levadas a sério.

Dizer isto, porém, não é dizer que a escolha de Sebastião Bugalho é, apenas por derrogação de sentido das principais críticas, boa, isenta de risco ou admissivelmente inócua independentemente do seu resultado final.

Na verdade, sobre o erro ou a virtude da escolha, a resposta será dada pelos portugueses no dia 9 de Junho. Lamento o pragmatismo: Luís Montenegro, com a actual configuração parlamentar e com o ajustamento político-partidário em curso no país e no seu próprio partido, está impossibilitado de perder. Reforço o pragmatismo: no actual momento político, não há margem para haver virtude sem vitória.

Volto, portanto, às questões com que abro este artigo: será Montenegro um político forte e firme ou um fugaz e fátuo fenómeno? Isto dura ou descamba? E introduzo nova questão, decorrente das reacções que a lista da AD ao Parlamento Europeu suscitou: é Luís Montenegro um louco ou um génio?

Eu sei que é frequente o povo dizer uma coisa e o seu contrário, mas, desta feita, ao ameno “de génio e louco todos temos um pouco”, o povo, num dia que se prevê quente, responderá com a frieza do voto.

Se a AD vencer as eleições, Luís Montenegro gozará de um fôlego adicional de genialidade, com o qual enfrentará as negociações do orçamento de estado para 2025 com um reforço de capital político ao qual os seus adversários não serão indiferentes. Todavia, se “a tenaz” vencer as eleições para o Parlamento Europeu, ou seja, se o PS vencer as eleições à AD e se a AD perder peso relativo para o Chega, ouvir-se-á, em cada corredor por onde Montenegro passar, qual Aquis aos seus criados: “Eis que bem vedes que este homem está louco; por que mo trouxestes a mim?”. Ou, numa versão mais cinematográfica: dead man walking.

Ganhará o génio ou perderá o louco? Os dados estão lançados. Façam as vossas apostas.

Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia

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O louco Luís ou o génio Montenegro?

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29.04.2024

Há umas semanas escrevi aqui um artigo em que dizia que Montenegro estava a ganhar 3-0 às oposições: tinha ganho, durante a campanha, o debate com o Pedro Nuno Santos, usando a velha mestria de se mostrar alternativa ao seu principal adversário, assacando-lhe a incumbência e, por força disso, a responsabilidade do estado do país (1-0); tinha vencido as eleições, não obstante a novidade da acentuada fragmentação eleitoral e depois de ter assumido a arriscada estratégia do “não é não” (2-0); e estava a formar Governo, sem que sobre isso tivesse havido qualquer fuga de informação, num modo de fazer política à antiga (“à Cavaco”, como os comentadores classificaram em jeito de inusitado elogio) (3-0).

Merecedoras de nota curricular, a somar a estas vitórias recentes, Montenegro tem também algumas vitórias, derrotas e empates passados. Foi um competente e combativo líder parlamentar durante o Governo de Passos Coelho, como este lembrou recentemente (nota positiva); um derrotado candidato a líder do partido, tendo perdido para Rui Rio (nota negativa); um ardiloso ausente responsável pela derrota de Paulo Rangel à presidência do PPD (nota de cinismo); e um relativamente eficaz apaziguador, chamando Rangel e Pinto Luz,........

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