Não é toda a gente que tem a oportunidade de viver, na mesma noite, os Óscares e as eleições legislativas. E é caso para dizer, sobre lá como por cá, que foi uma noite de alguma gala e muito galo. Mas deixemos Hollywood para a Blitz e foquemo-nos na política doméstica.

Se as legislativas fossem um concurso de filmes, o filme vencedor foi O Resgate dos Idiotas. Não se agitem já nas vossas cadeiras, isto não é um tweet e não estou a ofender ninguém. Explico melhor.

A sinopse d’O Resgate dos Idiotas é simples de contar e remonta à Antiga Grécia: idiotas eram cidadãos comuns que não participavam activamente na vida pública e na política. Esta ideia reforçava a importância da sua participação, e era acompanhada de menosprezo daqueles que não o faziam, sendo frequentemente tidos por gente menor e sem virtude. Ou seja, mantendo a metafóra, houve mais de meio milhão de portugueses resgatados à condição de idiotas, e devolvidos à participação democrática.

Ora, independentemente das avaliações fantasmagóricas ou das adversativas democráticas que se façam da opção eleitoral dos portugueses, o que parece inegável é que a significativa participação eleitoral, com a correspondente diminuição da taxa de abstenção, que se verificou nestas eleições deve ser lida como um sinal de vitalidade da democracia. 33,8% de abstenção é o valor mais baixo desde 1995, e esta inversão de tendência, no ano do 50.⁰ aniversário do 25 de Abril, só pode alegrar os democratas. Como diz voz amiga, nos 50 anos do 25 de Abril, venceu o 25 de Novembro; com uma expressiva derrota da esquerda, acrescento eu. Coisa que, aliás, deve tornar impossível qualquer tentação da libido dominandi socialista de tomar o poder; e que Pedro Nuno, pelo menos para já, parece ter compreendido. Seja como for, nessa eventualidade, todos os deputados da AD, do Chega e da IL estão obrigados a inviabilizá-la.

Mas se é certo que a abstenção diminuiu, certo é também que foi o “partido populista”, o “partido extremista”, o “partido antidemocrático” que beneficiou desta inversão de tendência; o que não deixa de ser uma filigrana de fina ironia: “a ameaça maior à democracia” foi a responsável pela sua revitalização eleitoral. Gente que não votava há anos, ou que quiça nunca votou, mobilizou-se para ir votar desta vez.

E, sobre isto, há três coisas que importa ter presente, e duas conclusões a tirar do resultado das eleições.

Primeiro, “não se pode inferir que os 1.1 milhão de portugueses que votaram no Chega são todos racistas e xenófobos” (coloco entre aspas, porque estou a citar de memória Pedro Nuno Santos). Segundo, que a beleza da democracia é que todos os votos valem o mesmo e que não há, por um lado, cidadãos de primeira e, por outro, um “cesto de deploráveis”. Terceiro, que se o crescimento de um partido com as características do Chega é sintomático de insatisfação isso é uma consequência, devendo as causas ser procuradas, não só mas principalmente, junto de quem perdeu meio milhão de votos e passou de uma maioria absoluta para ser o 2.⁰ partido mais votado: o PS, o grande perdedor da noite eleitoral.

Já as conclusões são que a AD é a vencedora das eleições, e, sabendo que Luís Montenegro não vai fazer acordos com o Chega, porque isso foi um compromisso eleitoral cristalinamente apresentado, que os portugueses exigem que a governabilidade seja agora encontrada e negociada no Parlamento.

Estas conclusões trazem aos eleitos uma responsabilidade pessoal acrescida que não se disfarça já no anonimato de acordos feitos em salões e corredores. Mas esta responsabilização tem que ter uma consequência imediata: não sendo possível uma maioria da AD com a IL, nem no cenário de bipolarização nem no cenário dos 3 blocos, a AD deverá apresentar um governo minoritário sozinha. A todos os partidos com assento parlamentar, por igual e sem benefício nem exclusão, deverá ser devolvida a responsabilidade de votarem como entenderem, e assumirem as consequências dessas decisões.

Luís Montenegro, a quem se adivinhou a meio da noite o papel de cordeiro pascal, no seu discurso inteligente, corajoso e antecipatório dos próximos combates parece ter encontrado uma porta estreita. Vejamos se a consegue abrir e passar por ela.

Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia.

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E o vencedor é…O Resgate dos Idiotas

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11.03.2024

Não é toda a gente que tem a oportunidade de viver, na mesma noite, os Óscares e as eleições legislativas. E é caso para dizer, sobre lá como por cá, que foi uma noite de alguma gala e muito galo. Mas deixemos Hollywood para a Blitz e foquemo-nos na política doméstica.

Se as legislativas fossem um concurso de filmes, o filme vencedor foi O Resgate dos Idiotas. Não se agitem já nas vossas cadeiras, isto não é um tweet e não estou a ofender ninguém. Explico melhor.

A sinopse d’O Resgate dos Idiotas é simples de contar e remonta à Antiga Grécia: idiotas eram cidadãos comuns que não participavam activamente na vida pública e na política. Esta ideia reforçava a importância da sua participação, e era acompanhada de menosprezo daqueles que não o faziam, sendo frequentemente tidos por gente menor e sem virtude. Ou seja, mantendo a metafóra, houve mais de meio milhão de portugueses resgatados à condição de idiotas, e devolvidos à participação democrática.

Ora, independentemente das avaliações fantasmagóricas ou das adversativas........

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