No final da semana passada reuniu-se nos Açores o Congresso dos Magistrados do Ministério Público. Estava lá cerca de um terço dos 1500 procuradores da República, que, espalhados pelas várias comarcas do país e longe dos olhares mediáticos, fazem um trabalho essencial para a administração da justiça e creio que quase sempre esforçado e meritório. Mas o que deu nas vistas e o que o Sindicato do Ministério Público, organizador do Congresso, queria que desse nas vistas foram as vozes dos que se acham a elite do MP, mandatados pelos seus pares para um braço de ferro com o poder político eleito. Por isso, e como de costume, lá estavam, como convidados, alguns dos seus jornalistas de estimação, delatores habituais de segredos de justiça, do “Correio da Manhã” e não só. Este é o primeiro ponto a salientar: a promiscuidade assumida e exibida entre uma magistratura judicial e um pseudojornalismo ao seu serviço. Mais importante, porém, foram as intervenções da tal elite do MP, das quais saliento as da própria procuradora-geral, Lucília Gago, e as do presidente do Sindicato, Adão Carvalho. O que eles disseram ultrapassou em muito a legítima reacção às críticas que vêm escutando à actuação do MP e mesmo de uma defesa corporativa do organismo, para entrar no domínio do intolerável, num país que se rege por valores democráticos, constitucionalmente garantidos. E que chega a soar como uma ameaça a quem ousa questioná-los, vinda de um organismo que, detendo os imensos poderes que a lei lhe confere, já fez prova de não se coibir de os utilizar para, por exemplo, instalar uma escuta num telefone pessoal de alguém que não era suspeito de terrorismo, de tráfico ou exploração sexual de menores, ou de chefiar uma rede internacional de droga, mas apenas secretário de Estado do Governo e, aos olhos do MP, suspeito de tráfico de influências — com isso justificando ter tido o seu telefone pessoal sob escuta quatro anos, dia após dia, numa inimaginável devassa de toda a sua privacidade, a qual devia constituir, por si mesma, um crime público.

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QOSHE - Onde o 25 de Abril ainda não chegou - Miguel Sousa Tavares
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Onde o 25 de Abril ainda não chegou

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08.03.2024

No final da semana passada reuniu-se nos Açores o Congresso dos Magistrados do Ministério Público. Estava lá cerca de um terço dos 1500 procuradores da República, que, espalhados pelas várias comarcas do país e longe dos olhares mediáticos, fazem um trabalho essencial para a administração da justiça e creio que quase sempre esforçado e meritório. Mas o que deu nas vistas e o que o Sindicato do Ministério Público, organizador do Congresso, queria que desse nas vistas foram as vozes dos que se acham a elite do MP, mandatados pelos........

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