Uma das provas de que a vida é injusta reside na falta de um quarto futebolista português com a Bola de Ouro, juntando-se aos comendadores Silva Ferreira, Figo e Aveiro. Paulo Futre ficou perto de a receber, na fase inicial da carreira, marcada pela conquista da Taça dos Clubes Campeões Europeus, mas a opção pelo cronicamente perdedor Atlético de Madrid impediu o montijense de tirar maior partido da imensidão de futebol que tinha no corpo e na mente.

Formado no Sporting, de onde rumou ao FC Porto quando, em Alvalade, não lhe quiseram reconhecer o valor no recibo de ordenado, Futre fez o pleno dos três “grandes” do futebol português no final da carreira, com uma passagem fugaz pelo Benfica, que levaria à demissão do presidente da RTP devido à utilização de dinheiros públicos para desbloquear essa transferência. Por isso, e por tudo o que procurou fazer pela seleção, numa fase em que esta era associada ao caos mexicano de Saltillo e não à geração de ouro que elevou Portugal no ranking da FIFA, acaba por ser uma das raras unanimidades por entre o clubismo extremado que se encontra espalhado pelos adeptos de futebol. Mais depressa se encontra quem não o leve a sério - o próprio pratica esse registo -, do que quem passe a vida a falar mal dele.

Pois que, além de ter sido um mestre dos dribles vertiginosos, das arrancadas para a baliza e dos remates certeiros, Paulo Futre também se revelou um excelente contador de histórias. Nomeadamente as que dizem respeito ao seu percurso no futebol, constando uma das mais extraordinárias do seu livro de memórias El Portugués, escrito em conjunto com Luís Aguilar. E que teve lugar no final da carreira, quando era diretor desportivo do Atlético de Madrid, ainda sob a presidência do inimitável Jesús Gil y Gil, com quem o português mantinha uma relação de amor-ódio, estando o clube caído nas ruas da amargura.

No final de um jogo fora de casa, em que os colchoneros haviam sido batidos pelo Tenerife, ecoando no balneário ameaças presidenciais de que teriam de regressar a nado das Ilhas Canárias, a desolação do plantel impeliu o capitão de equipa a fazer um desabafo que gerou uma reação insólita.

Convém referir que no livro Futre refere que esse capitão, de seu nome Salva, terá dito que “era preciso ter tomates”, mas o facto de o diálogo ter decorrido em língua castelhana faz adivinhar que a frase foi “hay que tener huevos”. Seja como for, com ovos ou com legumes associados, aquilo que o diretor desportivo, que mantinha o hábito de se equipar como no tempo de jogador, fez ao ouvir tais palavras foi baixar calções e cuecas, exclamando ao coletivo: “Aqui têm os meus!”

Acostumados à nudez dos colegas, nenhum dos presentes se queixou de atentado ao pudor, ou iniciou movimentos de denúncia de masculinidade tóxica, dedicando-se em vez disso a preparar o jogo seguinte, que devolveu o Atlético de Madrid às vitórias.

Todos perceberam a mensagem que, demasiado literalmente, Futre lhes quis transmitir: em momentos de crise há que ter algo que, embora traduzido em palavras que simbolizam testículos, não implica a sua existência, mas sim vontade, determinação e coragem para resolver problemas e a dar a volta a situações complicadas.

No que toca ao Diário de Notícias, que está hoje em greve, tal como o resto do Global Media Group, tem havido muito daquilo que, no espaço de uma só península, tanto pode ser tomates quanto ovos. Jornalistas e outros profissionais, que têm salários em atraso, e enfrentam dificuldades tanto maiores quanto mais pesadas são as circunstâncias pessoais e obrigações de cada um, continuam a fazer o melhor que sabem e que podem para honrar os seus nomes, as suas equipas, os seus títulos e os seus leitores ou ouvintes.

É seguro que todos dispensarão uma interpretação literal do método de gestão de crise de Paulo Futre, mas ninguém esperará menos do que empenho e soluções por parte da administração e dos acionistas que têm a seu cargo um património de marcas de informação fortes e com prestígio, ainda que não isentas de problemas. Como este Diário de Notícias, testemunha privilegiada das transformações em Portugal e no Mundo desde 1864, e pronto a seguir, com a força e o foco dos que o fazem, rumo ao 160.° aniversário.

Grande repórter do Diário de Notícias

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Tomates ou ovos, o método de gestão de crise de Paulo Futre

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10.01.2024

Uma das provas de que a vida é injusta reside na falta de um quarto futebolista português com a Bola de Ouro, juntando-se aos comendadores Silva Ferreira, Figo e Aveiro. Paulo Futre ficou perto de a receber, na fase inicial da carreira, marcada pela conquista da Taça dos Clubes Campeões Europeus, mas a opção pelo cronicamente perdedor Atlético de Madrid impediu o montijense de tirar maior partido da imensidão de futebol que tinha no corpo e na mente.

Formado no Sporting, de onde rumou ao FC Porto quando, em Alvalade, não lhe quiseram reconhecer o valor no recibo de ordenado, Futre fez o pleno dos três “grandes” do futebol português no final da carreira, com uma passagem fugaz pelo Benfica, que levaria à demissão do presidente da RTP devido à utilização de dinheiros públicos para desbloquear essa transferência. Por isso, e por tudo o que procurou fazer pela seleção, numa fase em que esta era associada ao caos mexicano de Saltillo e não à geração de ouro que elevou Portugal no ranking da FIFA, acaba por ser uma das raras unanimidades por entre o clubismo extremado........

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