Formada no Ceub, com passagem pelo Jornal de Brasília. Jornalista do Correio Braziliense desde 1998.

Na infância, fui apaixonada por uma boneca chamada Preguicinha. Quem é da minha geração deve ter ouvido falar, ou até teve uma. Eu não tive. Mas amava demais aquela lindeza, que pertencia à filha de moradores do prédio onde meu pai era porteiro.

Nós vivíamos nas acomodações destinadas a ele, no térreo do edifício. Eram um quarto, sala, cozinha e banheiro, tudo diminuto, para nós sete: pai, mãe e cinco filhos. Desnecessário dizer como a vida era difícil com o salário modesto que meu pai recebia.

Ter uma Preguicinha, portanto, nem passava pela minha imaginação, porque uma boneca formidável como aquela não estava ao alcance de nossas posses. Eu nunca tinha visto nada tão lindo. Era macia, com cheirinho gostoso e roupas fofas. Tinha um casaquinho rosa, que amarrava na frente, e um culote branco. Era movida a pilha e se mexia. Totalmente encantadora.

Eu ganhava o dia quando a menina me chamava ao apartamento dela para brincar e me deixava segurar a Preguicinha. Mas só durava alguns instantes. Logo a pegava de volta. Ainda me emociono — peço desculpas pela autopiedade — quando lembro que, em algumas ocasiões, apenas ela brincava com a boneca, enquanto eu ficava olhando.

Mas a recordação da Preguicinha vem sempre atrelada à generosidade de uma das moradoras do prédio: uma senhora que era muito gentil conosco, os filhos do porteiro. Por duas ou três vezes, ela nos deu presentes. Numa delas, eu e minha irmã ganhamos uma boneca índia. Era bem simples, fabricada com plástico mole, não mexia as articulações nem tinha roupinhas fofas, mas pense na alegria com que a recebemos.

A Preguicinha e a indiazinha fazem parte da minha memória afetiva, assim como aquela senhora. Infelizmente para nós, ela não ficou muito tempo no edifício. Porém, no período em que esteve lá, fez a alegria de cinco crianças com brinquedos que, por mais modestos que fossem, nossos pais não podiam comprar.

Ganhar um brinquedo, mesmo o mais simples, é uma felicidade para quem nada tem. Lembre-se disso neste Natal. Se puder, seja o portador dessa alegria. Seja generoso, solidário. Torne marcante o dia de uma criança. A doação faz um bem danado para quem a pratica e provoca uma imensa satisfação em quem a recebe.

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QOSHE - Artigo: Memórias afetivas - Cida Barbosa
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Artigo: Memórias afetivas

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21.12.2023

Formada no Ceub, com passagem pelo Jornal de Brasília. Jornalista do Correio Braziliense desde 1998.

Na infância, fui apaixonada por uma boneca chamada Preguicinha. Quem é da minha geração deve ter ouvido falar, ou até teve uma. Eu não tive. Mas amava demais aquela lindeza, que pertencia à filha de moradores do prédio onde meu pai era porteiro.

Nós vivíamos nas acomodações destinadas a ele, no térreo do edifício. Eram um quarto, sala, cozinha e banheiro, tudo diminuto, para nós sete: pai, mãe e cinco filhos. Desnecessário dizer como a vida era difícil com o salário modesto que meu pai recebia.

Ter uma Preguicinha, portanto, nem passava pela minha imaginação, porque uma........

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