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Carlos Vainer e a velha toupeira

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07.06.2024

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Recomendo a leitura do texto publicado recentemente pelo professor Carlos Vainer no Brasil 247.

Intitulado “A velha toupeira morreu?”, o texto pode ser lido aqui: https://www.brasil247.com/blog/a-velha-toupeira-morreu

Neste texto, logo de saída, Vainer lembra existir uma diferença entre os termos utilizados por ele e os termos utilizados por Rudá Ricci.

Vainer usa os termos “esquerdas de estado” e “esquerdas sociais”, Rudá usa os termos “esquerda social” e “esquerda institucional”.

Quem quiser ler acerca da posição de Rudá, pode buscar aqui: https://valterpomar.blogspot.com/2024/05/ruda-ricci-e-teoria-que-nao-e-de.html

Segundo Vainer, as “esquerdas de estado” tenderiam a “olhar, conceber e pensar a sociedade a partir do Estado; em consequência, seus horizontes têm este limite e suas práticas conferem prioridade ou exclusividade às disputas de posições no interior das instâncias estatais. De seu lado, de maneira inversa, as ‘esquerdas sociais’, de maneira mais ou menos radical, mais ou menos setorial ou localizada, concebem, olham e confrontam o Estado a partir da sociedade”.

Minha (VP, para usar a sigla adotada por Vainer) opinião acerca desta descrição feita por Vainer é a seguinte: ela é, em boa medida, verdadeira; mas é insuficiente, especialmente em um aspecto que considero decisivo.

Naquilo que é verdadeira, é por razões que considero evidentes. É insuficiente, porque muitas destas “esquerdas” (que Rudá chama de “institucional” e “social”) aceitam os mesmos limites estratégicos e, por isto, fazem parte de um conjunto maior, que vou chamar aqui de “esquerda reformista”, ou seja, aquela que tem como limite estratégico melhorar a vida do povo, nos marcos do capitalismo.

Aliás, é também por isto que vemos com tanta frequência aquele aguerrido lutador social de ontem, se metamorfosear no combativo mandatário de hoje e, nalguns casos rapidamente, noutros casos mais demoradamente, se converter num “responsável” (e conservador) gestor da máquina pública.

Para complicar ainda mais a coisa, além de poderem fazer parte de um conjunto maior, em muitos países da América Latina ambas esquerdas citadas (e também as demais) enfrentam hoje um cenário de tipo “chileno”, ou seja, um cenário onde uma estratégia de transformação revolucionária precisa incluir não apenas a destruição - “a partir de fora” - do Estado da classe dominante, mas também precisa incluir a ocupação de parcelas do aparelho de Estado.

Por este segundo motivo, não acho adequado utilizar a contraposição “Estado x social”. Pois uma estratégia revolucionária, no Brasil do século XXI, pelo menos nas atuais condições históricas, não pode colocar a questão do “Estado” como algo a ser tratado a partir de “fora”.

Ou seja, concordo com o que Vainer fala acerca das diferenças entre a situação atual e situações passadas; e, exatamente por isso, não concordo com a “oposição” proposta por ele (Estado x social) e nem com a proposta por Rudá (institucional x social).

Quando falei, noutro texto, que este tipo de “oposição” não é nova, é porque no texto de Rudá aparece, na minha opinião, o mesmo tipo de embocadura que existia naqueles que – noutros momentos – argumentavam que a ação da classe trabalhadora, para ser virtuosa, deveria se manter longe do Estado. Isso já era um erro no passado; e é um erro ainda maior nos dias atuais.

Agora, para que fique claro, não acho que este seja o problema principal da esquerda brasileira, hoje. O problema principal, hoje, é exatamente o contrário: é a grande quantidade dos que acreditam que o atual Estado possa ser um instrumento de transformação. Meu ponto, entretanto, é que não se combate esta posição, confrontando a ela uma posição igualmente incorreta. Aliás, isto já foi feito recentemente, por parte dos que romperam com o PT desde 2003. E o que vimos? Vimos que é possível repetir todos os defeitos, em menor espaço de tempo e sem ter as virtudes.

Vainer não concorda com o que falei acerca dos “economicistas”. Como Vainer, não quero transformar esta polêmica num torneio de citações. Assim, vou resumir com minhas palavras o que considero o fulcro do problema: os “economicistas” hard core deixavam a luta política a cargo dos liberais e se concentravam naquilo que consideravam essencial, a “luta direta contra o capital”, ou seja, a chamada luta econômica.

Contra a posição dos “economicistas”, Lenin - ao mesmo tempo que destacava a centralidade da luta política (por isso seu ideal era o de um tribuno do povo, não de um sindicalista) - considerava essencial a luta econômica, entre outras razões porque ela servia de “escola” para a classe.

Desta e de outras polêmicas e análises, concluo não ser correta nenhuma estratégia que não estabeleça o correto vínculo entre a luta política e a luta econômica, como parte da ação da classe trabalhadora. Por isso, também, não estou de acordo com “fórmulas polares” do tipo estado/sociedade, institucional/social etc.

Agora, atenção: não estou dizendo que devemos aceitar o Estado da burguesia, nem estou falando que devemos minimizar a importância da mobilização social. Aliás, esse tipo de crítica - “ou isso, ou aquilo” - muitas vezes pressupõe como verdadeira a dicotomia que eu repilo.

O que estou lembrando é que toda a ação da classe trabalhadora, dentro e fora do Estado burguês, na luta social e na luta institucional, tem como objetivo central construir e conquistar o poder para a classe trabalhadora.

Fazer isso, no Brasil de 2024, implica construir poder fora do Estado e, simultaneamente, usar nossa presença no aparato de Estado para desmontar os aparatos de poder da classe dominante e ajudar a construir (dentro e fora) aparatos de poder para a classe trabalhadora.

Por isso, concordo com a crítica que Vainer faz ao que ele chama de "esquerdas de Estado”, ou seja, a de que elas “tendem a estabelecer a sinonímia entre Política/Luta Política com Estado/Ação do/no/a partir do Estado”, assim como concordo que “reduzir a esfera da política à esfera estatal é desconhecer a infinidade de dispositivos de poder que operam na sociedade”.

Entretanto, acho que os setores que fazem isso não devem ser chamados de “esquerdas de Estado”, por dois motivos combinados.

O primeiro é que – como demonstra a experiência dos governos Lula e Dilma – este tipo de política não se sustenta por muito tempo, terminando ou cooptada, ou expurgada. Motivo pelo qual nossa crítica àquelas que Vainer chama de “esquerdas de Estado” é, exatamente, a de que elas nem disputam o Estado, nem ajudam a construir um Estado alternativo. Ou seja, na verdade elas deixam o Estado seguir nas mãos dos de sempre. Por tudo isso, chama-las de “esquerdas de estado” é dar-lhes um título que elas não merecem. E, mais importante, chamá-las de “esquerdas de estado” contribui para deseducar a classe trabalhadora e as esquerdas acerca da centralidade do Estado, em qualquer política revolucionária.

Dito de outra forma: por não serem contra-hegemônicas, aquelas esquerdas que Vainer critica (e quanto às críticas em si, em grande medida concordo com ele) contribuem para perpetuar o Estado que temos aí: capitalista, conservador etc.

Noutra passagem do seu texto, Vainer critica quem pretende reduzir “a luta social à luta econômica, pretendendo que a luta concreta no tecido social é sempre, necessária e exclusivamente, econômica”.

Sobre isso, é preciso explicitar acerca do que estamos tratando: se é a descrição da realidade ou se é a formulação de uma estratégia.

No plano da descrição de uma realidade, vamos sempre constatar que toda manifestação da luta de classes tem alguma dimensão política. Ou seja: não existe luta “econômica” que não tenha, em alguma medida, um componente político. Mas, como é óbvio, este componente político pode ser maior ou menor, pode estar implícito ou explícito, pode ser “em si” ou “para si”. Então, quando descrevemos uma luta concreta, podemos dizer que se trata de uma “luta econômica” ou de uma “luta política”, mas o que estamos fazendo, ao dar este ou aquele nome, é destacar qual é o peso daqueles componentes em cada luta concreta.

No plano da formulação de uma estratégia, a questão é a seguinte: se nosso objetivo é transformar a classe trabalhadora em classe dominante, então devemos apontar por quais caminhos a maior parte da classe pode adquirir poder. E adquirir poder inclui ter alto nível de consciência dos nossos interesses coletivos, inclui ter instrumentos organizativos em todos os terrenos da vida social, inclui ter uma orientação estratégica predominante na classe, se não em toda a........

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