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Tudo o que é importante acontece na cama

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04.03.2024

Tudo o que é importante acontece na cama. O que nos transforma, o que nos abranda, o que nos despe, que nos suspende, que nos arrebata, que nos desalinha, que nos reconcilia. Tudo o que nos pacifica e adormece, absolutamente inconscientes, frágeis, absolutamente despojados, todo o sono e todo o sonho, que nos arrasta para dentro-de-nós-fora-do-tempo, para fora de nós-dentro-do-corpo. Aquilo que nos desperta, nos inflama, nos apaixona, nos acende, que nos dá potência, que nos atira para dentro-do-outro-fora-de-nós. Tudo o que nos reduz àquilo que somos e parece tão pouco, às vezes nada, às vezes tudo — a morrer e a renascer mais uma noite.

Perdidos nos lençóis, de olhos fechados, submersos na pulsação lenta do nosso sono nu, somos o mais próximo de sermos nós mesmos, enquanto existimos dentro dos pesadelos que não podemos contar porque são reais e sobrevivem debaixo da pele, ou respiramos de olhos abertos no escuro, mergulhados nas nossas insónias, como um astronauta perdido no denso espaço de uma Nebulosa: o campo interestelar do Cosmos onde nascem as galáxias. Só nós nesse espaço singular, que podemos habitar, só nosso, onde nada, nem mesmo a luz, pode escapar… prontos a confundir o corpo com o Universo.

Ascenderia a cama a Altar, não fosse ela ser tão indecorosa, tão propícia ao profano e inversa ao pudor… Ascenderia a Ciência, se não fosse tão inexata, tão falível, tão subjetiva e inconstante. Ascenderia a Palco não fosse tão privada, tão absolutamente íntima, tão cheia de territórios invisíveis, tão obscena (na Tragédia Clássica, ob-scaenam, do latim, era aquilo que não se via, que ficava fora da cena: as “obscenidades”, como os assassínios ou duelos sangrentos, eram poupadas aos olhos dos espectadores).

Imagino sempre o que teria sido dos grandes confrontos da Humanidade, se as disputas entre líderes mundiais tivessem sido resolvidas na cama, em vez de nos campos de batalha. O que seria do Teatro de Guerra e da Política internacional, se em vez de cimeiras se decretassem encontros debaixo de lençóis? Como agiriam Truman e Estaline, Kennedy e Fidel, quando se vissem subitamente forçados à intimidade de um diálogo em pijama,........

© PÚBLICO


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