A emancipação biológica
Talvez não seja evidente, mas é provável que a Liga dos Últimos, na sua combinação entre comicidade e realismo, tenha sido um dos melhores programas da televisão generalista em Portugal. Longe da capital, aquelas imagens são o que mais se aproxima do país real e de uma sabedoria popular genuína, que persiste apesar de o espírito cosmopolita a cobrir de vergonha. Um dos seus melhores momentos é possivelmente o do adepto do Couvelha, que, após um acidente de viação provocado por distração feminina, assinala o seu justo castigo: pagou bem pelo olhar, pois como manda o padre da sua aldeia, não se deve cobiçar a mulher alheia.
Cada paróquia tem as suas lições. No caso da minha aldeia, o Padre Francisco tende a inspirar-se no teólogo Ermes Ronchi, que citou em novembro para nos recordar que, embora anoiteça mais cedo e os dias pareçam mais tristes, devemos aprender a esperar pela primavera. Afinal, “as coisas mais belas na vida não se procuram, esperam-se.” Trata-se de uma lição particularmente importante se considerarmos que os tempos atuais nos acostumam precisamente ao oposto: as sociedades tecnológicas habituam-nos à rapidez e ao imediato, pelo que gerimos com dificuldade a frustração dos acontecimentos que não conseguimos controlar. De acordo com um espírito ludita, é provável que vivamos hoje mais ansiosos precisamente porque vivemos, mais do que nunca, afastados da natureza – e portanto impossibilitados de aprender a arte da espera. A verdade é que, quando os dias se tornam mais curtos e a chuva parece não parar, nada podemos fazer senão........
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