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Tanto Portugal tão longe

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19.06.2024

a Luís Vaz de Camões

1 Quando por vezes me convidam para ser a contadora de alguns lugares e mundos aos quais – estou disso certa – devo grande parte do meu modo de ser e fazer, ninguém adivinhará a dificuldade da empreitada. Desde logo porque me impõe um convívio com a memória após tantas e tão fecundas deambulações pelas sete partidas. Exercício, como se sabe delicado, este, de deixar soltar a memória por aí fora, sem rédea, nem rede. Depois, porque como sou de mais de uma pertença, nunca me surge como tarefa fácil o contar que se pode com naturalidade e felicidade, pertencer a mais de um lugar. Depois ainda, porque se trata de uma viajem a qual, amparada nesse convívio com a memória, é, como disse um dia a maravilhosa Nélida Pinon, um “delicado e incerto ofício que conta apenas com a palavra”.

Ora encontrarei eu as palavras exactas, límpidas, para voltar á vertigem e a fortuna da viagem?

2 Foi pelo sul que abri a descoberta e pelo sul que caminhei.

Calhou-me assim em sorte uma luz que cedo me predispôs o olhar para a transparência dos lugares e das paisagens desse sul. Fui desde logo solicitada para essa espécie de claro relevo na rota do calor, para a exuberância dos verdes, o cheiro acre da terra sob a chama do sol, para corpos mais nus que vestidos, dias mais longos, noites mais breves. E por sobre tudo isso, céus sempre mais estrelados, que quaisquer outros céus. Numa espécie de sagrada harmonia entre as coisas, as pedras, os seres e os lugares. Falo e não por acaso de lugares, porque foi por eles que comecei, foram eles que tiveram a primazia na curiosidade e no afã do meu correr.

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Só depois os seus habitantes ilustraram, ocuparam, a viagem. Eram as traves mestras, mas quem os precedia era a luminosidade, o perfil da pedra tingido pelo sol, a superfície liquida de mares e dos rios, a planura das areias, o recorte da paisagem, os embondeiros, as palmeiras, as mangueiras. O Atlântico e o Índico. A geografia, portanto. A do maior dos poetas. Esses mares de Luís Vaz de Camões e a desmesura da gesta portuguesa que nos deixou o génio da sua........

© Observador


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