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O racismo é sólido, líquido e gasoso

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02.02.2025

André Lúcio Bento — Doutor em linguística, especialista em cultura africana, professor e escritor

Certo dia, um homem preto decidiu jantar num restaurante metido a grã-fino em Brasília. Ele estava de terno e gravata, pois tinha acabado de sair de uma importante reunião na Câmara Legislativa do Distrito Federal. Na entrada do estabelecimento, um casal branco estava sendo atendido: "Os senhores fizeram reserva?", "Estão aguardando mais alguém?", "Têm preferência por mesa no canto?". O homem preto era o próximo da fila. Quando resolveu a vida do casal, o funcionário se virou para o homem preto e perguntou: "Você é motorista de iFood?"

O homem preto era eu. E esse questionamento se eu era motorista de aplicativo só me foi feito porque eu não estava chegando num restaurante self-service de Brasília ou numa das bancas que servem mocotó e sarapatel em muitas das feiras do Distrito Federal. Eu não estava vestido de roupa de napa preta, não estava com capacete na mão e nem com mochila vermelha nas costas. Mas minha cor indicia para muitas pessoas os lugares que cabem a mim frequentar.

Eu trago esse episódio do restaurante para ilustrar como o racismo é uma ideologia essencialmente criativa e plástica, mas sempre perversa. Como a matéria, o racismo se constitui de diversos modos, e suas manifestações nem sempre são tão facilmente identificáveis. O casal era "os senhores"; eu era "você", o motorista de aplicativo. Não que........

© Correio Braziliense