Riocentro: o 247 obtém depoimento do capitão Wilson Machado, guardado há 43 anos
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Nesses tempos em que se vê fatos sendo lançados como dardos contra processos e investigações, com o flagrante intento de embaralhar a cena política, - como o vazamento dos áudios do tenente-coronel Mauro Cid, à Revista Veja -, o que nos vêm à mente é um episódio fatal para a derrocada da ditadura: o evento do Riocentro, ocorrido na noite de 30 de abril de 1981.
Durante 43 anos a íntegra do depoimento do capitão Wilson Machado, sobrevivente em estado grave do atentado terrorista forjado pelos agentes do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), foi mantida em sigilo, nos arquivos do Supremo Tribunal Militar. De lá até agora, Machado é o único personagem ainda vivo, do episódio, e sempre se negou a falar à imprensa. Chamado a depor na Comissão Nacional da Verdade em 31/07/2014, se limitou a dizer que usaria o seu direito de permanecer em silêncio, e que o que tinha a dizer foi declarado à Justiça Militar. Foi, mas nenhum civil jamais teve acesso a ele, até agora, quando o 247 obteve uma cópia da sua versão, na íntegra. Depoimento Falseado, como convinha à época, com omissão de detalhes, mas trata-se da versão mantida fora do alcance da mídia.
Na noite de 30 de abril para primeiro de maio, do ano de 1981, quando os principais nomes da Música Popular Brasileira se apresentavam em um palco montado naquele espaço da Zona Oeste carioca, para festejar o Dia do Trabalhador - num show promovido pelo Centro Brasil Democrático (Cebrade) -, o local se fez escuro e foi sacudido por um estrondo. Naquele minuto uma bomba jogou pelos ares, não apenas a genitália do sargento Guilherme Pereira do Rosário, (que morreu na hora, em decorrência da explosão, e feriu gravemente o capitão Wilson Machado), mas também a ditadura civil-militar, decorrida de um golpe que tirou do poder, em 1964, o presidente eleito, João Goulart e fará, portanto, 60 anos daqui a uma semana.
Com a inflação na casa dos 200%, o poder do último general-ditador, João Baptista de Figueiredo, em xeque, e a promessa de “prender e arrebentar” quem não estivesse de acordo com a proposta de abertura “lenta e gradual”, iniciada na gestão do seu antecessor, Ernesto Geisel, a farsa claudicante montada para encobrir o ato terrorista dos dois oficiais do DOI-CODI, Guilherme do Rosário e Wilson Machado, começou a desnudar todas as demais.
Até então, sob o manto da censura que havia vigorado até 1978, muitas delas foram empurradas goela abaixo da população oprimida. Por exemplo, a morte na tortura, do jornalista Wladimir Herzog, em 1975, divulgada como “suicídio”. Naquele ano, o de 1981, a caserna em vias de perder os seus privilégios, se rebelou contra a distensão da ditadura e forjava atentados à bomba, que eram jogados no colo da esquerda. Até que aquela explodiu no colo deles, literalmente.
Em 23 de maio, dias depois do atentado, no Hospital Central dos Servidores, nas dependências do Centro de Tratamento Intensivo (CTI), o capitão Wilson Machado, sobrevivente do ato terrorista do Riocentro, foi ouvido. A situação, no mínimo inusitada - como se sabe o CTI requer isolamento total do paciente -, contou com as seguintes participações: o encarregado do IPM, coronel Job Lorena de Sant’Anna, na companhia do Major do Exército, Luiz Kardec Vianna (servindo de escrivão), acompanhado do Dr. Francisco José Soares Cavalcante. Sua presença – de acordo com documento oficial -, foi uma indicação do diretor do Hospital Central do Exército, que se fez acompanhar do Dr. Gilson Ribeiro Gonçalves, procurador da Justiça Militar.
Machado, filho de Theophilo Lyra Machado e Jupyra Chaves Machado, era casado, tinha então 33 anos, uma filha de seis anos e servia no Comando do 1º Exército. Ele contou em seu depoimento que naquela tarde, na qualidade de chefe do Destacamento, recebeu a missão de cobrir o evento à noite. No dia seguinte deveria estar no Campo de S. Cristóvão, mas ao tomar conhecimento de outro evento na Mangueira, optou por ir para o Riocentro. Em seguida chamou o seu subchefe, o “Doutor Navarro” e deu ordem para que mandasse uma equipe para lá e reforçasse o evento do Campo de S. Cristóvão. Para o da Mangueira destinou apenas dois homens.
O doutor Navarro, nesse dia, lhe pediu dispensa no final de semana e dos eventos que ele iria cobrir até lá. Machado então chamou o “agente Wagner”, codinome de Guilherme do Rosário, dando-lhe a incumbência de cobrir o Riocentro. Wagner havia sido recomendação de Navarro, por ter uma espantosa memória fotográfica, adquirida ao longo das várias coberturas que fazia na atividade de fotógrafo/araponga (do Destacamento). Foi assim que Rosário foi escalado para cobrir o Riocentro. A seguir, pediu que ele entrasse em contato com o “agente Guarany” – o paraquedista Magno Cantarino Mota, que estava de folga na quinta-feira e deveria ser convocado para se juntar ao “Doutor Diogo” na cobertura fotográfica do evento do Campo de S. Cristóvão, no final de semana.
Wilson Machado admitiu que saiu para a Missão Nº 115, rumo ao Riocentro em seu próprio carro e apontou como testemunha do horário em que deixara as dependências do destacamento, “os agentes de serviço no portão do DOI”.
Negou que carregasse algum volume, como bolsa ou mala e não soube dizer quanto tempo demoraria no Riocentro. Sobre a permanência no local, respondeu que ficaria o tempo necessário para o cumprimento da missão, que consistia em localizar os seus agentes de serviço e, caso não os encontrasse, daria um tempo maior para ter condições de posteriormente verificar os relatórios deles. Rosário, ao saber que Machado iria com o seu próprio carro, porque pretendia ficar no show, pediu carona e o convidou para juntar-se no final a um grupo de amigos dele, que também estavam com ingressos e até os tinha sobrando.
Depois fez as tratativas sobre o ponto de encontro, num posto da Estrada Grajaú Jacarepaguá. (Esse ponto de encontro antes das equipes irem para o Riocentro é citado pelo ex-delegado e atual pastor, no livro Claudio Guerra: Matar e Queimar. Ele relata que era próximo ao restaurante Cabana da Serra). Wilson Machado negou que tivesse aberto a porta do carro (um modelo Puma, no interior do qual a bomba que levavam, explodiu), pelo lado de fora, para que o agente Wagner entrasse, quanto pretendiam mudar de lugar no estacionamento no Riocentro, para ficarem mais próximos à saída.
Respondeu não se lembrar se o havia feito, por dentro do carro, mas afirmou que Wagner entrou no veículo quando ele ainda estava na vaga. Perguntado se o agente lhe falou alguma coisa ao entrar, momentos antes da explosão, revelou que não se lembrava de terem falado algo. Perguntado se o colega portava algum pacote, bolsa ou mala, disse que os braços dele estavam livres, não portando nenhum volume. (Apesar de estar entre a vida e a morte, bem treinado que era, sabia em quais os pontos as negativas eram importantes).
O capitão negou que tivesse visto qualquer volume dentro da viatura, negou também que houvesse algo do seu lado e que do lado direito não cuidou de olhar, pois estava atento à manobra que fazia com o carro. Negou ter percebido se era seguido e tampouco soube se havia seguranças no local. Disse que o colega não comentou qualquer coisa a respeito ou tampouco tivesse algo a acrescentar.
Depois de pagar o estacionamento, no pátio ainda com poucos carros, Wagner viu o grupo de amigos chegando num Fiat branco e foi encontrá-los. Nesse momento ambos desceram do Puma e Wilson Machado se afastou para procurar um lugar discreto onde pudesse urinar. Conta que cruzou com grupos de moças e rapazes se divertindo, ouvindo música e bebendo. Passou por um dos carros com quatro elementos que pareceram a ele, estar fumando maconha. Resolveu então trocar novamente o carro de lugar, pois temeu que pudessem lhe roubar o toca-fitas. Wagner entrou no carro e ele iniciou manobra de marcha-a-ré. Foi quando houve a explosão.
Fora do carro, sem sapato e sem socorro
Lembrou que foi jogado para fora do carro, que a porta se abriu e ele percebeu que estava sem um dos sapatos. Levou a mão direita instintivamente ao lado direito da barriga “atordoado, cambaleando, percebendo então que não tinha comandamento sobre o braço esquerdo. Sentindo esse braço dormente e percebendo que sangrava muito, dirigiu-se então ao grupo de jovens pedindo ajuda, mas eles saíram sem atendê-lo”.
Machado conta que se dirigiu a outras pessoas “e estas também não o atenderam”. Afinal, apareceu “uma pessoa que lhe pareceu ser um funcionário do Riocentro, e que o levou até a entrada”. Essa pessoa lhe deu “uma cadeira e então pôde sentar-se”.
A descrição desses momentos de agonia até ser socorrido ele detalha, embora tenha dito não ter certeza se, de fato, correspondem ao que aconteceu: “desde o momento que se viu fora do carro esteve atordoado, confuso. Destaca, porém, que até pedir........
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