Crónica de Natal

A semana passada escrevi um texto sobre o Natal. Era um texto cabisbaixo. Tão triste e desesperançado que não podia ser de Natal. Um texto de quem já tinha fechado a alma para balanço e encontrara o saldo no negativo. Por isso chamei-lhe de Dezembro. Não podia chamar Natal àquilo que era, na verdade, apenas um capítulo prévio; um prólogo sem redenção. O relatório moral de uma certa Lisboa, num certo tempo que é o nosso, numa certa semana talvez cinzenta, talvez chuvosa; certamente culpada. Sou uma alma dada à chantagem meteorológica. Ao erro que qualquer nuvem com aspecto vagamente ameaçador exerce sobre nós.

Mas o Natal veio. Como o Natal vem sempre. Não pede licença, não respeita o meu mau humor. Veio aqui mesmo, a este lugar para onde viajámos com malas a abarrotar e crianças presas em cadeirinhas como pequenos mártires modernos. Em casa dos meus pais. Onde o tempo não passa, mas se vai acumulando. Prepararam-se as coisas e até fui buscar sobremesas a casa de uma tia que passa a consoada noutra aldeia deste Norte pós-industrial, onde as fábricas fecharam, mas os rituais resistem, teimosos como velhos comunistas.

“Consoada”. Não sei de onde vem esta palavra. É daquelas, saída de um dicionário antigo, de um dialecto perdido; com qualquer coisa de sal grosso e luz amarelada ao mesmo tempo. Tenho a certeza de que existirá, algures numa página de Facebook, um sexagenário que esta semana publicou um texto definitivo — com........

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