Uma boa pessoa

Gisèle Pelicot, 72, levava quase 50 anos de casada, com 3 filhos, netos e uma vida pacata numa vila no sul da França, quando um dia foi levada a uma delegacia e viu os vídeos apreendidos no computador de seu marido, Dominique.

Era 2020. Na época, e ela sabia, seu marido já estava sob investigação depois de ser denunciado por várias mulheres por comportamento lascivo num supermercado – segundo elas, ele filmava suas bundas e por baixo das saias. Nada grave, nada que não pudesse ser perdoado, segundo Gisèle.

Aliás, ela já tinha perdoado outro 'deslize' do marido, em 2010, quando ele foi pego usando uma câmera escondida fazendo algo parecido. Depois de assumir a culpa e pagar uma multa de 100 euros, foi liberado.

Apesar de todo esse histórico, pouco antes de ver na delegacia os vídeos que causariam a "ruína" de sua vida, como ela mesma definiu, Gisèle ainda lembra de argumentar com os policiais:

--- Mas ele é uma boa pessoa...

Os registros em vídeo de seu marido, realizados ao longo de quase uma década, mostravam Gisèle desacordada em sua cama, sendo sexualmente abusada por dezenas de homens desconhecidos de diversas idades, a maioria sem proteção. Um deles, aliás, vive com HIV -- e é um puro golpe de sorte que Gisèle não tenha sido afetada.

Ao longo dos anos anteriores, Gisèle vinha sentindo desconfortos ginecológicos e mentais indefinidos: a memória tinha brancos, o corpo oscilava, decaía, reclamava. A certa altura, pensou que estaria louca: atribuiu seus sintomas a um possível quadro de demência.

Jamais pensou que... --- afinal, seu marido era, claro, para ela e para a família, 'boa pessoa'.

Aposentado, gostava de pedalar pelos campos de Mazon, onde viviam. A relação teve seus altos e baixos, como não.........

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