Era uma fita cassete, que os mais jovens talvez só conheçam do bonito filme de Wim Wenders, "Dias Perfeitos". Naquele tempo, nada tinha de retrô o que rolava no toca-fita do carro do meu pai, um Volkswagen TL azul-bebê. Estávamos em 1971, eu tinha 9 anos e tocava "Construção".
Quando eu digo que tocava "Construção", o verbo no pretérito imperfeito não dá a ideia exata do que se passava ali. Tocava "Construção" sem parar, e o disco de amadurecimento e definição de rumos artísticos que Chico Buarque concebeu entre o exílio na Itália e o Brasil se inscrevia em sulcos fundos no cérebro de um menino.
Hora de reconhecer uma dívida que nunca pagarei: aprendi a escrever, em primeiro lugar, com o artista brasileiro que neste 19 de junho de 2024 chega aos 80 anos. A gente acaba tendo muitos mestres na vida, mas acho seguro dizer que, para mim, tudo começou com "Construção".
Como? Vai saber. O modo buarquiano de manejar as palavras –cerebral mas sonoro e cheio de alma, o máximo rigor aliado à máxima expressividade, ouvido e acabamento perfeitos– me acendeu um interruptor na cabeça.
Da faixa-título, joia de poesia linguístico-social, já se disse tudo. E tem "Valsinha",........