Nesta terça, no programa "O É da Coisa", quando se informou o currículo de Edmar Camata, indicado por Flávio Dino, futuro ministro da Justiça, para comandar a Polícia Rodoviária Federal, cheguei a fazer um comentário elogioso. Dizia o texto: "Formado em Direito pela UFES, ingressou na PRF em 2006. É mestre em Políticas Anticorrupção (Universidade de Salamanca, na Espanha) e tem especializações em Gestão Integrada em Segurança Pública e Ministério Público e Defesa da Ordem Jurídica, além de MBA em Gestão Pública. Atualmente, é secretário de Estado de Controle e Transparência no Governo do Espírito Santo." Pareceu-me melhor do que assumir o comando de um ente tão importante simplesmente por ser amigo de Flávio Bolsonaro...

Mas as coisas logo desandaram. Confesso que não me lembrava do histórico de Camata. Logo este veio a público em texto de Mônica Bergamo. Já concorreu a deputado federal pelo PSB em 2018. Até aí, nada demais. Não demonizo a política. O busílis é outro. Camata era um lavajatista fanático. O surto já passou? Não há evidência conhecida. Como postulante a uma vaga na Câmara, escreveu nas redes sociais:
"Até agora, já foram condenadas 188 pessoas na Operação Lava Jato. Não podemos deixar a maior operação anticorrupção do país parar, você concorda? Vote em um candidato que garanta a continuidade de pacotes anticorrupção".

Colunistas do UOL

Logo depois da prisão de Lula, em abril de 2018, mandou ver:
"O fato, hoje, é que Lula está preso. Também estão presos Cabral, Cunha, Geddel, Vaccari, André Vargas, Henrique Alves, Palocci, Gim Argelo? Todos presos. Todos inocentes? Todos sem provas? Lula não foi o primeiro. Ao contrário, sua prisão foi cercada de precauções, para muitos, desnecessárias".

No textinho acima, vai o sumo e a síntese da estupidez lavajatista. O que legitimava a operação — e esse espírito nefasto contaminou também a imprensa — não era o cumprimento ou não do devido processo legal e das regras do estado de direito, mas o fato de haver presos para todos os gostos e de vários partidos. Vejam a indagação marota: "Todos inocentes?" Vale por uma resposta: se havia ali ao menos um culpado, por que haveria, então, ao menos um inocente? Lula, por exemplo, que vai permitir que chegue ao topo da carreira, era inocente.

Seu currículo poderia ser ainda mais eloquente do que é. Lamento. Não serve para comandar a Polícia Rodoviária Federal, e convém ficar com um pé atrás. Em 2017, postou uma foto ao lado de Deltan Dallagnol, agora deputado eleito, e publicou nas redes com entusiasmo infantil:
"Tive cinco minutos que certamente milhões de brasileiros gostariam de ter, e espero ter honrado. À frente, o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol. Pude falar do orgulho e confiança que a ampla maioria dos brasileiros tem na atuação desses profissionais, que de maneira inovadora se impõem contra a corrupção".

A Polícia Rodoviária Federal vem de uma rotina de desatinos e deveria ser tratada com mais cuidado.

LAVAJATISMO E ANTILAVAJATISMO
Não sou do tipo que se deixa enredar por falsas simetrias. Por que digo isso? Dino informou ainda que o advogado Augusto de Arruda Botelho, que também disputou, mas neste ano, sem sucesso, uma vaga na Câmara pelo PSB, será o novo Secretário Nacional de Justiça. É um advogado criminalista bem-sucedido, conhece a área e já presidiu o Instituto de Defesa do Direito de Defesa. Aquela frase de Camata, note-se, saudando a prisão por baciadas, fere, em essência, o direito de defesa. Na imprensa, circulou que Botelho é um "antilavajatista", tendo, inclusive, advogado para uma pessoa que caiu nas malhas da operação.

"Ah, Reinaldo Azevedo, te peguei! Você acha que um antilavajatista pode ser nomeado, mas um lavajatista não?" SIM, EU ACHO ISSO, COM TODAS AS LETRAS. E não! Eu não defendo que uma pessoa deva ocupar um cargo só por ser antilavajatista — até porque há notáveis cavalgaduras que reivindicam essa condição. Mas considero que, num governo democrático, o lavajatismo constitui um impedimento ético, ainda que estivéssemos a falar do Schopenhauer do direito. Mas aí haveria uma contradição inelutável, que me dispenso de explicar.

A Lava Jato representa, dados os valores que exaltou e as práticas que adotou, a morte da legalidade. Mais do que isso: seus partidários se tornaram prosélitos de uma causa que atingia direitos fundamentais. Considero que a operação é a principal responsável por ter o país mergulhado na lama bolsonarista. Vejam a trajetória de Dallagnol e de Sergio Moro. Ou por outra: se Botelho for antilavajatista à frente da Secretaria Nacional de Justiça, isso estará a nos dizer que não será por esse caminho que vai violar a lei. Se Camata for lavajatista à frente da Polícia Rodoviária Federal, então a ordem legal estará fatalmente comprometida.

"Ah, ser antilavajatista ou ser lavajatista, então, são as maneiras únicas de acertar e errar?" É evidente que não! Há infinitas outras. Mas é indubitável que, dadas essas duas categorias, estamos diante, respectivamente, de acerto e erro inequívocos. E a razão é simples: quando alguém é antilavajatista, é sinal de que está recusando um elenco de ataques à legalidade (a pessoa poderia até aderir a outro, também condenável, mas não àquele). E, quando o vivente é lavajatista, aí não há escapatória: significa que pode adotar critérios extralegais em nome de suas noções particulares de justiça. Inexiste lavajatismo benigno.

ERRO BRUTAL
Acho a escolha de Dino para a Polícia Rodoviária Federal um erro brutal. E é tão mais importante porque já foi juiz e é irmão de um figurão do Ministério Público Federal. Conhece, no detalhe, os desatinos da Lava Jato. Advogados e juristas de esquerda, que apoiam o futuro governo, fizeram um muxoxo ou outro, mas preferiram silenciar na linha "agora não é hora de criticar". Minha relação com governos sempre seguiu um padrão e não vai mudar: quando gosto do que se faz, digo "sim"; quando não gosto, digo "não".

Volto lá à frase de Camata, aquela em que elogia a baciada de presos como sinal de eficiência e correção da Lava jato e me lembro que ele vai comandar uma corporação armada, marcada por alguns desatinos nos últimos quatro anos. Tenho de perguntar: ele seguirá a lógica antilavatista — e isso quer dizer que não vai condescender com ilegalidades, nem sob o pretexto de fazer justiça — ou seguirá a lógica lavajatista? Nesse caso, em nome de conceitos solipsistas do bem, do belo e do justo, pode mandar a legalidade às favas.

E se, no comando de um dos braços armados do Estado, Camata resolver se comportar como Dallagnol ou Sergio Moro, seus heróis nada secretos? Um erro é um erro é um erro. Sem apelo.

NOTA FINAL
Não tenho problema nenhum em defender, por exemplo, a PEC da Transição, ainda que escreva contra a "doxa" adotada pela maioria de meus colegas de imprensa. Eu, na verdade, defendia os R$ 175 bilhões fora do teto, sem prazo, o que foi visto como um anátema. Não dou bola para gritaria e alarido. Sempre foi assim. Mas não há modo de eu condescender com um manejo heterodoxo do estado de direito e das regras do jogo.

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Acho absurda escolha feita por Dino para chefiar Polícia Rodoviária Federal

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21.12.2022

Nesta terça, no programa "O É da Coisa", quando se informou o currículo de Edmar Camata, indicado por Flávio Dino, futuro ministro da Justiça, para comandar a Polícia Rodoviária Federal, cheguei a fazer um comentário elogioso. Dizia o texto: "Formado em Direito pela UFES, ingressou na PRF em 2006. É mestre em Políticas Anticorrupção (Universidade de Salamanca, na Espanha) e tem especializações em Gestão Integrada em Segurança Pública e Ministério Público e Defesa da Ordem Jurídica, além de MBA em Gestão Pública. Atualmente, é secretário de Estado de Controle e Transparência no Governo do Espírito Santo." Pareceu-me melhor do que assumir o comando de um ente tão importante simplesmente por ser amigo de Flávio Bolsonaro...

Mas as coisas logo desandaram. Confesso que não me lembrava do histórico de Camata. Logo este veio a público em texto de Mônica Bergamo. Já concorreu a deputado federal pelo PSB em 2018. Até aí, nada demais. Não demonizo a política. O busílis é outro. Camata era um lavajatista fanático. O surto já passou? Não há evidência conhecida. Como postulante a uma vaga na Câmara, escreveu nas redes sociais:
"Até agora, já foram condenadas 188 pessoas na Operação Lava Jato. Não podemos deixar a maior operação anticorrupção do país parar, você concorda? Vote em um candidato que garanta a continuidade de pacotes anticorrupção".

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Logo depois da prisão de Lula, em abril de 2018, mandou ver:
"O fato, hoje, é que Lula está preso. Também estão presos Cabral, Cunha, Geddel, Vaccari, André Vargas, Henrique Alves, Palocci, Gim Argelo? Todos presos. Todos inocentes? Todos sem provas? Lula não foi o primeiro. Ao contrário, sua prisão foi cercada de........

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