Destino das férias: hospital na praia
- Tá tudo bem com a vovó?
Não há pergunta mais difícil de responder do que o retórico "tudo bem". Quase nunca está tudo, TUDO, bem. "Tá bem na medida do possível, filha, mas eu vou ter que ficar aqui no hospital com ela". "Não, mamãe, por favor, vai comigo, vai mamãe, então eu vou ficar aqui com você e a vovó", as palavras saem entre soluços.
Sim, aconteceu de novo. Minha mãe teve mais um episódio do que quer que seja que acontece em seu cérebro.
Enquanto a enfermeira fazia perguntas em um inglês meio misturado com espanhol e holandês, eu pensava em quantas vezes contei fragmentos desta mesma história. Fiquei irritada com as palavras que já começavam a querer formar texto em minha cabeça, quase arrependida por cada um que já publiquei. "Você se expõe demais", dizem. Como se falando as coisas em voz alta, elas parecessem mais reais. Em conversas que devessem ser evitadas.
É o contrário de tudo em que acredito.
"Preciso ir buscar uns colírios pra ela, operou catarata recentemente, tem problema?" "Não, assim que terminar as perguntas você pode ir. É só apertar o botão que tem ao lado da porta e ela abre. Para voltar, você chama no interfone".
Fui. Com a cabeça em marte, ou no mercúrio retrógrado, avistei meu marido e minha filha do outro lado do vidro e apertei o primeiro botão que apareceu. Uma sirene começou a tocar.
Parece um conto, mas é crônica. E eu nem gosto de autoficção.
Meu marido arregalou os olhos. Demorei um pouco a entender o que tinha feito. Era só o que me faltava, será que iam me prender? Voltei correndo e tentei me comunicar com uma pessoa que falava ao telefone. Ela me pediu para esperar. Ninguém parecia se importar muito com a voz que anunciava a necessidade de evacuar o principal hospital do país.
Em uma tentativa desesperada de não perder a pouca sanidade que me restava, fiquei convencida de que não devia ser a primeira vez que acontecia, torcendo para que ninguém resolvesse fugir do lugar achando que estava pegando fogo. Informei o ocorrido às pessoas que passavam por mim. Nenhuma delas sabia direito como desligar aquilo e eu me resignei. Tinha algo verdadeiramente urgente para resolver.
Encontrei outra porta com um botão que não era vermelho e, mesmo com a autoestima abalada, apertei. Finalmente consegui chegar ao carrinho de bebê que minha filha comprida ainda usa. Fiquei ajoelhada em frente a ela, que me abraçou bem forte, enquanto eu derramava todas as lágrimas contidas nas últimas oito horas. Todo hospital deveria ter um cantinho para choro.
Nossa primeira separação estava prevista para o dia 16 de setembro. Já tinha tudo planejado. Mas, como diz o mantra que elegi para minha vida quando tinha 17 anos, "a vida é o que acontece com você enquanto você está ocupado fazendo outros planos". E foi assim que tentei explicar que não, não estava tudo bem.
O hospital ficava a 7 minutos de caminhada do hotel. Praticamente do outro lado da rua, uma sorte imensa dentro de todo aquele azar. Mas a despedida da minha filha doeu como se eu estivesse entrando num avião para o Japão, enquanto ela permanecia naquela pequena ilha do Caribe.
Ainda estava um pouco atordoada com a sirene que ninguém tinha desligado. Apareceu um segurança e eu disse "fui eu, desculpa". Ele sorriu dizendo que não me preocupasse. Quase o abracei.........
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