Bolsonaro está de volta ao Brasil e, tudo correndo com justiça, vai ser investigado e julgado em inúmeras frentes, de muambas a genocídios.

Havendo ampla justiça, será julgado pelas inúmeras vezes em que fez apologia ao período mais sombrio de nossa República: a ditadura de 64, que completa 59 anos neste 31 de março.

Colunistas do UOL

Sob o risco de nos esquecermos do que ele representa, seria boa hora para traçarmos os paralelos entre bolsonarismo e nazifascismo - porque é essa a perversa noção que pode alcançar a real dimensão do horror em que nos metemos, e evitar que voltemos a naturalizar a selvageria.

Vamos começar com essa ideia que tirei do livro "O Não Judeu Judeu", do professor Michel Gherman, colocada aqui de forma brutal: o bolsonarismo é uma forma de nazismo.

Importante lembrar que o nazismo não nasceu com campos de concentração: nasceu muitos anos antes, com um líder apatetado que prometia acabar com a corrupção e proteger os valores da família tradicional alemã.

Em seu brilhante livro, Gherman explica que o nazismo é menos uma ideologia e mais uma forma de se posicionar no mundo.

Tem a ver com ressentimento, com ódio, com raiva, com linguagem e com estética. Tem menos a ver com agenda política do que com todas essas coisas.

Eis aí, também, o âmago do Bolsonarismo.

O Bolsonarismo sonhou, por exemplo, em transformar exército e polícias em milícias.

Trabalhou arduamente para isso e ficou perto de conseguir.

Se tivesse sido reeleito teria certamente chegado lá.

Há os que argumentem - com alguma razão - que, em parte, já temos uma polícia nesses termos.

Mas tem muito mais.

Falemos de gramática e de estética.

A gramática e a estética do Bolsonarismo são nazistas - e isso aprendi lendo o livro de Gherman.

Um livro pequenino, de fácil leitura e com a capacidade de ampliar consciências e alargar visões de forma imediata.

Aqui seria bom explicar quem é Michel Gherman - e vou dar a versão longa da formação do professor para que não restem dúvidas do lugar a partir de onde ele fala.

Graduado em história pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestrado em Sociologia e Antropologia - Hebrew University of Jerusalem e doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente é docente adjunto na Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos-NIEJ do Instituto de História da- UFRJ. Coordenador do Laboratório de Religião, Espiritualidade e Política (LAREP) do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisador associado do Centro de Estudos Judaicos da Universidade de São Paulo. Pesquisador associado do Centro Vital Sasson de Estudos de Anrtissemitismo da Universidade Hebraica de Jerusalém. Professor do Programa de Pós Graduação em História Social da UFRJ. Diretor acadêmico do Instituto Brasil Israel. Atua principalmente nos temas: Estudos de Genocídios, estudos da religião, antissemitismo , nacionalismo, política, holocausto, Oriente Médio, conflito palestino israelense, judaísmo, sionismo e memória.

Gherman traça paralelos entre o nazismo e o bolsonarismo desde 2017. Ler o livro que ele lançou em 2022 é tirar qualquer sombra de dúvida da frente.

Outra coisa importante seria, de uma vez por todas, entender que bolsonarismo é nazifascismo porque Bolsonaro comunica que é - e não apenas porque Michel Gherman e muitos outros dizem que é.

Não se trata de uma opinião, estamos falando de fatos e de história.

Sabemos exatamente o que compõe o nazismo e o fascismo.

Sabemos o que articula essa estética e essa linguagem.

Sabemos o que mobiliza o ódio a certos grupos e a autorização dada - primeiro na entrelinha e depois mais diretamente - para eliminá-los.

Sabemos que sem o apoio do capital privado não teria havido nem nazismo e nem fascismo.

Sabemos que sem o apoio das classes dominantes nem Hitler nem Mussolini teriam feito o que fizeram.

Na Alemanha nazista mais da metade dos médicos - para ficar apenas em uma categoria - eram filiados ao partido nazista.

Corta para o Brasil atual.

Em 2012, Bolsonaro disse no programa de humor CQC que os judeus morreram por doenças nos campos de concentração e não porque foram assassinados.

Isso é negacionismo do Holocausto puro e simples.

Bastaria - lá em 2012 - para ele ser interditado, certo?

Nem precisaríamos testemunhar Bolsonaro fazer apologia ao estupro, comparar negro a gado, dizer que seria melhor ter filho morto a filho gay, dizer que mulher é inferior ou declarar amor a tortura e a torturador.

Naturalizamos e deu onde estamos hoje.

Mas vamos à materialidade.

Bolsonaro tem foto com um sósia de Hitler.

Bolsonaro elogiou Hitler mais de uma vez. Fez isso do púlpito do Congresso nacional, lembra Gherman.

Bolsonaro tira a ideia do Brasil acima de tudo da comunicação nazista.

Bolsonaro tomou um copo de leite durante uma live (trata-se de um código nazista), assessor de Bolsonaro foi flagrado fazendo gesto supremacista, Bolsonaro assinou cartas com o lema Deus, Pátria, Família", lema do fascismo italiano.

Os símbolos estão aí.

Bolsonaro não os esconde. Mas há quem se esconda de ver.

Entre 2018 e 2021 o Brasil foi o país onde o número de grupos neonazistas mais cresceu no mundo, explica Gherman.

E é também o país onde o sentimento antissemita mais cresceu no mundo no mesmo período.

Eis aí o resultado prático do bolsonarismo no comando.

Agora Bolsonaro está de volta.

Enfraquecido, mas ainda tratado por alguns como líder aceitável de um movimento político legítimo.

Não. Mil vezes não.

Bolsonaro e todos os que trabalharam ardentemente para reelegê-lo precisam ser descartados do campo democrático.

Não servem. Não cabem. Não podem ser legitimados.

Hora de investigar, processar e punir.

Sem naturalizações. Sem banalizações. Sem restrições. Sem relativizações. Sem anistia.

Aliás, o movimento Anistia Nunca Mais, do Manifesto Coletivo, se reúne nesse dia primeiro de abril em São Paulo.

É no salão nobre do Largo São Francisco, momento em que será entregue um abaixo-assinado pedindo a instalação de um tribunal popular para julgar o governo Bolsonaro.

Nunca mais esquecer. Nunca mais deixar passar.

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Dia importante para não esquecer o que Bolsonaro representa

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31.03.2023

Bolsonaro está de volta ao Brasil e, tudo correndo com justiça, vai ser investigado e julgado em inúmeras frentes, de muambas a genocídios.

Havendo ampla justiça, será julgado pelas inúmeras vezes em que fez apologia ao período mais sombrio de nossa República: a ditadura de 64, que completa 59 anos neste 31 de março.

Colunistas do UOL

Sob o risco de nos esquecermos do que ele representa, seria boa hora para traçarmos os paralelos entre bolsonarismo e nazifascismo - porque é essa a perversa noção que pode alcançar a real dimensão do horror em que nos metemos, e evitar que voltemos a naturalizar a selvageria.

Vamos começar com essa ideia que tirei do livro "O Não Judeu Judeu", do professor Michel Gherman, colocada aqui de forma brutal: o bolsonarismo é uma forma de nazismo.

Importante lembrar que o nazismo não nasceu com campos de concentração: nasceu muitos anos antes, com um líder apatetado que prometia acabar com a corrupção e proteger os valores da família tradicional alemã.

Em seu brilhante livro, Gherman explica que o nazismo é menos uma ideologia e mais uma forma de se posicionar no mundo.

Tem a ver com ressentimento, com ódio, com raiva, com linguagem e com estética. Tem menos a ver com agenda política do que com todas essas coisas.

Eis aí, também, o âmago do Bolsonarismo.

O Bolsonarismo sonhou, por exemplo, em transformar exército e polícias em milícias.

Trabalhou arduamente para isso e ficou perto de conseguir.

Se tivesse sido reeleito teria certamente chegado lá.

Há os que........

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