As apostas são uma realidade, dizem. Não há por que tentar proibi-las. Proibir seria pior.

Tendo a concordar com as frases acima.

Colunistas do UOL

Mas concordar não é dizer sim e deixar para lá.

Faria bem se conseguíssemos falar sobre como as apostas se relacionam com o jogo de todas as formas, das menos decentes às mais divertidas.

"Aposta-se desde que o futebol existe", outra verdade.

"Se proibirem, as apostas serão feitas na clandestinidade e isso será pior". Sim e sim.

Mas será que não basta apostar em resultado simples, no placar, no minuto em que o gol vai sair?

É preciso apostar em escanteios, laterais e cartões?

É preciso dar tanto espaço para a canalhice?

"Os caras ganham muito, como se submetem a isso?" é uma pergunta comum já que estamos falando de casos de manipulação que envolvem jogadores que ganham 200, 300, 400 mil reais por mês.

Mas se fosse assim rico nenhum roubaria, e acabamos de testemunhar um desvio contábil nas Lojas Americanas cuja suspeita de malfeito envolve apenas alguns dos homens mais ricos do Brasil.

O ex presidente, cuja família tem 101 imóveis, agora é suspeito de muamba de joias de valores exorbitantes.

Mais, mais. Sempre mais.

Em busca do que estamos indo quando já temos muito e seguimos querendo mais?

Estamos atendendo aos apelos de um sistema que manda querer mais.

Mais e mais.

Menos é desvio de caráter.

Dizer "tá bom pra mim" é fraqueza emocional.

Se podemos ganhar mais, por que não?

Ah, mas é ilegal. É ilegal só se alguém pegar a gente fazendo. Se não pegar, não foi nada.

A gente trapaceia e no domingo vai ao culto, vai a missa, e tá tudo certo. Viva minha família. Viva Deus. Viva a pátria.

O futebol já não basta em si.

Não basta a disputa, a formação, a competição, a vitória.

Precisamos também criar um espetáculo televisivo sem precedentes para o mercado publicitário e para o cliente-torcedor.

Precisamos transformar os estádios em palácios de mármore com camarotes luxuosos e comida farta.

Aumenta o preço do ingresso, qualifica esse consumidor aí, arranca a geral, embranquece o público presente.

Ao fundo, cada vez mais alto, a música de gosto duvidoso e batida acelerada tocada por um DJ.

Atrofia-se a manifestação orgânica, robotiza-se o torcedor, domesticam-se os corpos.

Precisamos fazer com que o evento televisivo seja acrescido de narrações aceleradas e estridentes que cobrem num ritmo alucinado o barulho da torcida, o chute na bola, a explosão na trave, a doce som da esfera que se choca com a rede e por ela escorre.

Adeus, poesia.

Vem, gritaria, euforia fabricada, simpatia exagerada.

Tudo tem que ser acelerado e engraçadinho para que a gente engaje o consumidor.

A lógica é sempre empresarial. Não há outra alternativa. É essa a cartilha e tudo o mais é comunismo.

O futebol costuma resistir às tentativas de aniquilar seu espírito. Mas não sabemos até quando.

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De apostas a DJs, o que estamos fazendo com o futebol?

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11.05.2023

As apostas são uma realidade, dizem. Não há por que tentar proibi-las. Proibir seria pior.

Tendo a concordar com as frases acima.

Colunistas do UOL

Mas concordar não é dizer sim e deixar para lá.

Faria bem se conseguíssemos falar sobre como as apostas se relacionam com o jogo de todas as formas, das menos decentes às mais divertidas.

"Aposta-se desde que o futebol existe", outra verdade.

"Se proibirem, as apostas serão feitas na clandestinidade e isso será pior". Sim e sim.

Mas será que não basta apostar em resultado simples, no placar, no minuto em que o gol vai sair?

É preciso apostar em escanteios, laterais e cartões?

É preciso dar tanto espaço para........

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