Estamos testemunhando o fim de uma era que se chamava a qualidade Globo de transmitir esportes. Os melhores profissionais, coberturas em tempo real, fartura de informações e o pensamento original buscando seus espaços.
Não é mais assim, acho que todos notaram.
Colunistas do UOL
Ainda há pessoas brilhantes trabalhando no conglomerado, à frente e atrás das câmeras, mas a qualidade já não é a mesma e nomes consagrados são deixados pelo caminho.
A tendência cada vez mais transparente é seguir a toada em muitos tons de bege de existir e calar politicamente.
A tática é antiga e hegemônica: limita-se o campo de debate a um escopo estreito e permite-se, dentro desse estreitamento, que o debate corra solto criando-se, assim, a ilusão de que existe um debate de ideias rolando.
Não há nada para ser visto, analisado ou dito que não esteja acontecendo no campo, na quadra, na piscina, no tablado.
Tudo mais é proibitivo. Quem tentar fazer estará sob sua conta e risco. Geladeiras podem ser abertas a qualquer momento.
A saída de Casagrande foi um marco nesse sentido.
Entender que o esporte se restringe ao que acontece enquanto o evento esportivo dura é apequenar uma imensidão de possibilidades que só o esporte oferece enquanto dimensão da vida.
Conviviam, ali dentro, os rebeldes e os conservadores e ainda que o segundo grupo fosse mais vocal havia espaço para que a rebeldia, a dissidência e o contraditório se fizessem ouvir. Às vezes baixinho, às vezes mais alto, mas o pulso ainda pulsava.
Mais e mais veremos estranhices como "atacar o espaço" ser glorificado como linguagem e menos e menos veremos o jogo ser contextualizado social, econômica ou politicamente.
Criticar as SAF e seu grotesco aspecto ultraliberal, por exemplo, vai ser evento tão raro quanto criticar a taxa de juros do Banco Central ou o ex-juiz parcial transformado em senador que é tão adorado por lá.
A luta contra o racismo será basicamente a leitura do que a CBF ou as federações enviarem para que seja lido sobre as campanhas.
Uns pitacos em um ou outro programa, mas não se estendam; esporte não é isso, não vamos perder tempo com extracampo.
Os times serão avaliados tática e tecnicamente. Não me venham com politiquices e politiquetes.
Há muitos seres políticos brilhantes que ainda fazem parte do esporte da Globo, e eles estarão convidados a calar sobre o que pensam se isso extrapolar os conceitos objetivos da quadra e do campo.
Convites, nesses casos, são feitos de forma direta mas também indireta.
Começar a demitir os mais políticos é um sinal dado a quem fica: comportem-se.
Foi-se o tempo em que o Marinho original dizia coisas como "dos meus comunistas cuido eu". Não era o ideal, mas me parece melhor do que o que está virando.
Ganharão espaço os que estiverem dispostos a jogar o jogo da videogamificação das transmissões.
Veremos programas de debates cada vez mais engessados e amarrados, ou programas entregues a abusar das piadas infantis feitas para adolescentes.
Nas transmissões, um oba-oba acrítico e comentários dentro da caixinha do conservadorismo. Alegria, gritaria, empolgação, euforia.
A crítica estará viva nos lugares de sempre: quebra-quebra não pode, briga em campo não pode, invasão não pode, racismo é feio, machismo é bobo.
Aliás, não somos machistas pois temos mulheres narrando, apresentando e comentando. Circulando.
Não pode coisa feia no futebol, gente, vamos nos respeitar e nos amar, o esporte é tão bonito, o Brasil é lindo e alegre, somos uma mistura boa, viva a seleção e agora vamos à palavra do nosso patrocinador.
É uma pena que o esporte nacional seja confinado pela maior emissora do país a esse lugar estreito, careta, pequeno, covarde.
Uma pena que profissionais brilhantes sejam encorajados a se encolher politicamente para caber nos planos.
O esporte é uma arena imensa, complexa, política e tão cheia de possibilidades, conflitos, desejos, sonhos e pesadelos quanto a vida; restringi-lo a objetividades é matá-lo lentamente.