'Dois sherpas' dá vida, sonhos e textura aos heróis anônimos das façanhas alheias

"Dois

sherpas espreitam o abismo. As cabeças vasculhando o nadir. Os corpos estirados nas rochas, as mãos apoiadas na beira de um precipício. Parecem esperar alguma coisa. Mas sem ansiedade. Com um repertório de gestos serenos que se equilibram entre a resignação e o ceticismo. (...) Aponta com um gesto ambíguo para o vazio, a rocha onde jaz estendido e imóvel o corpo de um inglês, e diz:

— Essa gente... —E assim rompe o silêncio. Se é que podemos chamar de silêncio o chiado ensurdecedor do vento atravessando os picos do Himalaia".

Quem faz esse relato não é um montanhista, nunca chegou perto de um alto pico, muito menos do Himalaia. Mas o escritor argentino Sebastián Martínez Daniell, 52, mergulhou fundo em tudo o que encontrou de informação sobre a mais alta montanha do planeta, o Everest, para montar uma narrativa que, acima de tudo, é um chamado para a civilização, a civilidade e a humanização daqueles que muitas vezes imaginamos estarem ao nosso redor só para nos servir e avalizar nossas próprias vitórias.

A história "Dois sherpas" contada por Daniell não é linear, intercala momentos de contemplação de dois personagens, identificados apenas como sherpa velho e sherpa jovem, que olham para o corpo caído do montanhista inglês sem decidirem se vão ou não tentar seu resgate.

"À minha narrativa era importante certo grau de anonimato dos personagens", contou Daniell ao blog. "Eles estão ali pelo que representam, não pelo que são, têm um papel dentro de um sistema de poder, um sistema........

© UOL