Uma espiada na máquina da vida
Quem nunca deu uma espiada na máquina da vida? Há quem faça isso com frequência, outros raramente, mas não há quem nunca tenha divisado, por trás da persiana da rotina, as engrenagens enigmáticas que regem o nada banal exercício de estar vivo.
É comum espiá-la nos momentos solenes. Durante o enterro de uma pessoa que eu amava, em meio às lágrimas que não paravam de descer, de repente, a visão cortante: o morto não era mais o morto, eu não era mais a sua neta, ao meu lado não eram mais os meus primos, nem os meus tios. Éramos peças do mecanismo incessante que faz uns brotarem e outros descerem terra adentro.
Quando minha filha nasceu, não cheguei a ver a máquina, mas pude senti-la. Lembro da expressão compenetrada do obstetra. Cozida num caldo de anestesias, não consegui me inclinar direito para ver o nascimento. Estava com os olhos no teto de luzes frias, e claro que não elaborava mentalmente essa questão. Ainda assim senti as polias girando no meio dos meus ossos, o choro do bebê rebentando, a máquina alavancando a vida para fora, a grandiosidade da sua façanha.
Lembro quando meu pai atravessou uma depressão profunda. Seu tórax estava........
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