O que fazer quando as coisas parecem boas a ponto de não haver como melhorar? Que narrativas gratificantes cabem na fábula que começa com "e foram felizes para sempre"?
Nick Bostrom, professor de Oxford e futurista renomado, acaba de lançar um livro, Deep Utopia, sobre o assunto, oferecendo mais perguntas do que respostas. "O que fazer quando não há nada para fazer? Construir castelos, ler na cama, conversar com os amigos, descansar no sol, jogar bridge, vôlei de praia, observar os pássaros (...)" (p. 245). Bostrom enumera dezenas de atividades que refletem a persistência desta dúvida, que pode ter maior valor presente do que futuro.
O livro está construído sobre a tese de que a grande dicotomia tecno-existencial da nossa era é a que opõe os pessimistas, temerosos dos efeitos mortíferos de uma suposta autonomia de máquina, e os otimistas, que apostam na capacidade da inteligência artificial de resolver a totalidade dos nossos problemas, sem crises existenciais, o que justamente nos obrigaria a criar pós-escritos para as histórias de final feliz.
Meu entendimento é diferente. A principal dicotomia que enxergo baseia-se na oposição freudiana entre pulsão de vida e pulsão de morte, mas não de maneira atemporal, como sugerem os psicanalistas, e sim dentro da conjuntura geopolítica que vem ganhando forma, em paralelo à aceleração da inteligência artificial. Eros nos desafia com problemas produtivos, enquanto Tânatos, crescendo na sombra, promete sangue, luto e dor, não pelas mãos das máquinas, mas pelas nossas mesmo.
Explico. No "Ocidente cultural" —América do Norte, Europa, Austrália e áreas ricas da América Latina—, mudanças de mentalidade são impulsionadas por saltos de eficiência no trato de tudo, algoritmização do pensamento, aumento da solidão e longevidade, além de incertezas sobre o futuro do trabalho. Na Califórnia, onde mora o 1% mais rico dessa gente privilegiada, o panorama incluiu também os riscos existenciais da........