Acesso indevido a dados clínicos por profissional de saúde: responsabilidade disciplinar e criminal – prescrição

Introdução

O acesso a sistemas informáticos de saúde por profissionais habilitados levanta questões particularmente sensíveis no cruzamento entre o direito disciplinar, o direito penal informático e a proteção de dados pessoais. A facilidade técnica de acesso, aliada à amplitude funcional de determinadas carreiras da área da saúde, torna especialmente relevante a delimitação entre acesso legítimo e acesso indevido.

O tema aqui proposto parte da análise de um caso concreto decidido pelo Tribunal da Relação de Évora,1 com o objetivo de discutir duas questões centrais:
i) o regime de prescrição do procedimento disciplinar quando os factos são suscetíveis de integrar ilícito criminal;

ii) a relevância da prova do elemento subjetivo (dolo ou negligência) no acesso a dados clínicos por profissionais de saúde.

Defende-se uma leitura crítica da solução adotada no acórdão maioritário, aproximando-nos da posição expressa no voto de vencido, que dá relevo a questão da prova do elemento subjetivo do tipo de crime em causa.

Síntese factual (consta do acórdão)

O caso analisado respeita a uma enfermeira, contratada ao abrigo do Código do Trabalho, que acedeu, durante o horário e local de trabalho, ao sistema informático do SNS, consultando os registos clínicos de duas utentes com quem mantinha uma relação pessoal indireta.

Os acessos ocorreram em oito ocasiões, entre 30/10/2018 e 21/11/2018, sem que estivesse demonstrada qualquer justificação clínica imediata. À data, as titulares dos dados não haviam restringido o acesso aos seus registos, e a trabalhadora exercia funções que, em abstrato, podiam implicar a consulta de dados clínicos de diversos utentes.

Não ficou provado que a enfermeira tivesse recebido formação específica em matéria de proteção de dados, nem que tivesse antecedentes disciplinares.

O procedimento disciplinar apenas foi instaurado em 28/11/2019.

Prescrição do procedimento disciplinar e ilícito criminal

Nos termos do artigo 329.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o poder disciplinar prescreve 2 um ano após a prática........

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