O apanhador e a última trincheira da sinceridade humana

Dizem que certos livros aparecem na sua vida na hora exata, mas isso é conversa fiada. “O apanhador no campo de centeio” não aparece — ele invade. Entra feito um intruso pela porta que você jurava ter trancado, mexe nas gavetas escondidas, cutuca vergonhas que você finge que não sente.

Se Holden Caulfield escrevesse estas linhas, provavelmente diria algo como: “Sabe quando uma coisa te acerta em cheio e você nem estava pronto? Pois é. Foi isso”. E completaria, meio irritado, meio cansado das farsas do mundo: “É meio chato admitir, mas tem livro que entende você melhor do que qualquer gente”.

E, mesmo resmungando, continuaria lendo — porque certas feridas doem, mas doem dizendo a verdade. Talvez seja justamente aí, nesse lugar em que literatura e autenticidade se cruzam, que o romance de J. D. Salinger começa a operar sua magia mais duradoura.

A verdade é que “O apanhador no campo de centeio” não conversa apenas com o leitor; ele o desarma. E é desse desarmamento inicial — tão inesperado quanto necessário — que brotam as perguntas que acompanham o livro desde 1951, quando finalmente chegou às livrarias.

Poucos livros alteram a temperatura interna do leitor. “O apanhador no campo de centeio” faz isso sem estardalhaço: instala uma claridade áspera, um tipo de luz oblíqua que ilumina o que tentamos apagar e dá forma ao que ainda não sabíamos nomear. Essa capacidade de deslocar silenciosamente o eixo emocional de quem o lê explica por que o romance atravessa gerações sem empalidecer, mesmo na era das distrações fabricadas.

É um desses romances que atravessam as décadas como se ignorassem o tempo, como se soubessem que a humanidade, por mais sofisticada que se declare, continua tropeçando nas mesmas caixas de angústia.

Quando o romance veio ao mundo, carregava a marca de um autor que atravessara a Segunda Guerra, sobrevivera a cenas inenarráveis e testemunhara a implosão moral de uma geração.

J. D. Salinger, nascido em 1919, moldado entre o conforto burguês da Park Avenue e o........

© Revista Fórum