Fome fervorosa, noite alta, fim de mês. A porta ainda aberta desafia. Vale a pena se arriscar num restaurante deserto naquela escura terça-feira? Gastar ali o último caraminguá que restou do salário? Por que não jantar um pão com ovo em casa?
“O centro é perigoso” é o que Marina ouve todo dia e toda noite. Marina é professora de matemática de trabalhadores que não puderam estudar quando jovens.
Depois de quatro aulas seguidas, ela está parada ali, na fronteira da calçada com o carpete puído do pequeno salão. Então, o estômago vence o cérebro.
Num ambiente sombrio, a professora é recebida pelo mar azul da cidade de Beirute enquadrado ao lado do pôster de uma idosa de véu com uma inscrição: Haifa, 04/01/1971. Na TV, candidatas disputam um concurso de dança do ventre. Se há alguma dúvida, a placa de fórmica na parede de lambri esclarece de vez. COMIDA LIBANESA.
Quando Marina senta, um homem de óculos pesados, camiseta branca e cabeleira da mesma cor sai do banheiro com um jornal embaixo do sovaco. Ele ocupa a mesa ao lado, onde repousam meio sanduíche de cordeiro e um resto de refrigerante. Abre o jornal. Silêncio.
A professora caminha até uma geladeira com algumas cervejas. Abre, prova e então pergunta, disfarçando a impaciência dos famintos.
- Sabe do garçom? A gente pede direto na cozinha?
- Sou garçom e cozinheiro. Como a senhora não me chamou, esperei.
- É que eu não sabia...
- Agora já sabe. Me chamo Rafic.........