Dezembro de 1979. José de Carvalho está na varanda. Saiu do fumo tabágico da sala de estar para inalar o fumo dos automóveis, mas a saúde pulmonar é a menor das suas preocupações. Encontra-se, tal como muitos outros jovens entusiasmados, a gritar palavras de apoio ao partido político predileto enquanto gesticula freneticamente. Era, como provavelmente o astuto leitor já percebeu, período de campanha para as eleições legislativas e, apesar de terem sido convocadas antecipadamente num período de enorme instabilidade política, o pessimismo não tinha lugar no coração dos portugueses, que irradiava esperança.

Esperança! Que sensação tão bela! A percepção de que, apesar de termos conhecimento de todos os males que nos afligem e podem ainda vir a afligir, o amanhã será melhor do que o dia de hoje porque a nossa escolha é decisiva para a mudança e para o progresso!

Em março de 2024, Augusto, o filho de José, não esteve na varanda a cantarolar. Aliás, nem sequer está em Portugal. Emigrou para o Reino Unido porque, na sua terra mãe, o seu emprego, embora digno e com um bom salário, não lhe permitia sequer considerar a concretização do seu maior sonho: ter casa própria onde criar filhos. Perdoem-me pelo disparate que acabei de escrever! Um ofício que force um homem a abdicar da paternidade e da possibilidade de uma vida plena não está perto nem do bom, nem do digno, por muitas palmadinhas nas costas e títulos bajuladores que dêem a Augusto! Afinal, ser tratado por Sr. Dr. não paga as contas no final do mês.

De facto, tal como o Augusto, muitos portugueses não vêem esperança no futuro, antagonicamente ao experienciado por gerações anteriores. Os fundadores da nossa democracia elevaram a fasquia para o que esperar de um líder: visão, honestidade, integridade, carisma! Determinados líderes da atualidade continuam a subir a fasquia, agora relativamente à quantidade de insultos dissimulados e incentivos ao ódio e divisão que conseguem incluir numa só frase… Muito se falou em sérias reuniões sobre como crescer a economia de forma sustentável: sabemos que o dinheiro não cai das árvores. Algum importante dirigente certamente estava distraído e percebeu mal a mensagem e agora caem as árvores em troca de dinheiro!

Face à deterioração da democracia e da natureza, é natural que nos perguntemos se haverá possibilidade de melhoria. Será Portugal o Sísifo da Europa, condenado a perder o progresso social de forma periódica, tal como o herói grego com o seu pedregulho? Claro que não! Não só não temos os deuses contra nós (ou equivocou-se gravemente Camões), como nos aguarda um futuro radiante ainda por arquitetar pela nossa juventude. Não quiseram as comparações até agora feitas pintar o passado como uma época perfeita onde vigorava a ausência de defeitos, muito pelo contrário! Mas isto lhe garanto, caro leitor: após o 25 de abril, os portugueses não se abstiveram. Não disseram “estes políticos são todos iguais!” e deixaram outros decidir por eles. Não abandonaram a democracia. Não deixaram a apatia vencer e lutaram por um mundo mais justo para as gerações vindouras. Perceberam que a esperança não nos é dada por ninguém: a esperança é meramente um reflexo do esforço que um povo está disposto a fazer pelo seu país. A esperança começa consigo, caro leitor. Com o carinho que dá à sua família e amigos, com o respeito que demonstra pelos outros, com o otimismo contagiante com que encara as adversidades.

Vejamos todos o potencial ainda por aproveitar no bem existente no nosso país, lutemos ativamente pelo progresso e pela democracia e talvez, espero eu (já fui contaminado com a esperança!), o neto ainda por nascer do José, a nossa personagem inicial, venha um dia a irromper em alegres cânticos na varanda do seu avô, celebrando as flores plantadas por abril, murchas pelo descuido e abulia e revigoradas pelos defensores da liberdade e igualdade!

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Esperança?

Esperança?

Dezembro de 1979. José de Carvalho está na varanda. Saiu do fumo tabágico da sala de estar para inalar o fumo dos automóveis, mas a saúde pulmonar é a menor das suas preocupações. Encontra-se, tal como muitos outros jovens entusiasmados, a gritar palavras de apoio ao partido político predileto enquanto gesticula freneticamente. Era, como provavelmente o astuto leitor já percebeu, período de campanha para as eleições legislativas e, apesar de terem sido convocadas antecipadamente num período de enorme instabilidade política, o pessimismo não tinha lugar no coração dos portugueses, que irradiava esperança.

Esperança! Que sensação tão bela! A percepção de que, apesar de termos conhecimento de todos os males que nos afligem e podem ainda vir a afligir, o amanhã será melhor do que o dia de hoje porque a nossa escolha é decisiva para a mudança e para o progresso!

Em março de 2024, Augusto, o filho de José, não esteve na varanda a cantarolar. Aliás, nem sequer está em Portugal.........

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