Os primeiros anos
Estudada na Psicologia como parte integrante dos processos mentais, a memória pode ser uma bênção ou uma cruz. Para aqueles que, como eu, fazem da cruz uma bênção, e dessa bênção salvação, vale bem o esforço empreendido na busca de uma passagem para um outro tempo numa das suas muitas e variadas encruzilhadas. A memória, tal como os sentidos, por vezes engana; no entanto, não fosse essa faculdade e não teríamos História, e sem História não teríamos Identidade. Este registo deve ser encarado como uma contribuição para a fluidez da engrenagem.
«When does one first begin to remember?». Assim começa Churchill o livro sobre os seus primeiros anos. Quando é que os factos imprimem pela primeira vez uma camada tal no nosso organismo que nos permitem a eles voltar mais tarde, quando aqueles já não se encontram presentes aos nossos sentidos? O que primeiro perdura? Provavelmente, uma impressão de um som ou até de uma voz, de um odor, de um movimento ou de uma face acolhedora junto ao berço, de um olhar ternurento ou de um abraço reconfortante. Ou os contornos de um local. A Irlanda no caso do estadista britânico, o Externato de Santa Margarida no meu próprio caso. Ali, na (outrora) vila de Gondomar, passei os alvores da minha existência rodeado de carinhosas freiras e pelos primeiros amigos. Desde a creche até finalizar o 1.º Ciclo, tive uma experiência deveras agradável, acima de tudo útil, o que se tornaria decisivo para o meu futuro. Para os mais seculares e para os mais religiosos, embora por motivos diversos, o epíteto “útil” pode não parecer coadunar-se com a ideia de uma moral religiosa. Contudo, os alicerces e os ensinamentos que uma ética religiosa (porquê ter medo de recorrer ao conceito?) proporciona revelam-se decididamente pragmáticos e pragmaticamente decisivos........
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